| Foto: Mandel Ngan/AFP

“Incerteza” é a palavra que melhor define os tempos que virão imediatamente após a posse de Donald Trump, que se torna o novo presidente dos Estados Unidos ao meio-dia desta sexta-feira, pelo horário de Washington. Não temos como compartilhar nem do catastrofismo de seus adversários, que preveem o caos global imediato assim que Trump assumir o poder, mas também não vemos motivos para endossar o triunfalismo dos defensores do novo presidente, para quem o magnata tornado político inevitavelmente fará a América grandiosa novamente, como prometia o slogan de campanha, e tornará o mundo um lugar melhor.

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Praticamente nada do que Trump tenha feito desde sua eleição, em novembro do ano passado, muda a avaliação que fizemos à época: ele é o que os americanos chamam de unfit for presidency, quer dizer, inadequado para o cargo que pleiteou e conseguiu. Não apenas por suas evidentes falhas de caráter, mas por suas propostas baseadas em divisão e preconceito – especialmente no primeiro quesito, o contraste com Barack Obama é evidente, ainda que, como líder, o democrata que agora deixa a Casa Branca tenha cometido diversas falhas do começo ao fim de seu governo. Citamos apenas dois exemplos: no auge da crise financeira, assim que assumiu a presidência, Obama teve a faca e o queijo na mão para reformar o sistema financeiro, mas se omitiu. E, em seus últimos dias de mandato, tomou a terrível decisão de revogar a política de “pés secos, pés molhados”, que garantia o direito à permanência nos Estados Unidos dos cubanos que concluíssem com êxito a perigosa fuga marítima, pisando em solo americano – agora, são todos devolvidos à ilha-prisão dos Castro, em mais uma das concessões sem contrapartida feitas por Obama à mais cruel das ditaduras latino-americanas.

Não é preciso crer no Destino Manifesto para compreender o papel importante dos Estados Unidos

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Trump representa incerteza em diversos campos: no climático, com sua oposição aos Acordos de Paris, que buscam colocar um freio na emissão de poluentes; no comercial, com sua defesa de um protecionismo retrógrado – ironicamente, ao mesmo tempo em que o chinês Xi Jinping defende a globalização e o livre comércio no Fórum Econômico Mundial, em Davos –; no geopolítico, com a possibilidade de uma retração da presença norte-americana pelo mundo, deixando um vácuo que será preenchido, muito provavelmente, por uma figura do naipe de Vladimir Putin.

E o próprio Trump tratou, nas últimas semanas, de desmentir o discurso conciliador feito por ele logo após sua vitória. O presidente eleito não perdeu a mania de usar as mídias sociais para responder com agressividade a quaisquer críticas, como a da atriz Meryl Streep (independentemente das falácias contidas no seu discurso, como a sugestão de que Trump desejaria expulsar todos os imigrantes, não apenas os ilegais), reafirmou propostas como a do muro entre Estados Unidos e México e hostilizou a imprensa, atitude que não tem nenhuma justificativa – nem mesmo o fato de boa parte das empresas de comunicação norte-americanas ter se posicionado a favor de Hillary Clinton na eleição e continuar se opondo a Trump após sua vitória.

Só podemos manifestar a esperança de que, uma vez sentado na cadeira de presidente, Trump perceba que agora é para valer e deixe de lado o radicalismo para assumir uma postura mais sensata, ainda que seja por mero pragmatismo. Não é preciso crer na doutrina do Destino Manifesto para compreender o papel importante que os Estados Unidos desempenham no mundo e o estrago que determinadas ações ou omissões podem provocar domesticamente e globalmente – inclusive no Brasil.