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Editorial

Trump e o ataque à Síria

 | Robert S. Price/AFP
(Foto: Robert S. Price/AFP)

O presidente norte-americano, Donald Trump, surpreendeu o mundo na noite de quinta-feira (pelo horário brasileiro) ao ordenar um ataque com mísseis contra uma instalação militar do governo sírio. A ação, uma represália ao uso de armas químicas contra a população civil que deixou dezenas de mortos na cidade de Khan Sheikhoun, atingiu a base aérea de onde teria partido o ataque químico, de acordo com informações da inteligência norte-americana. “Isso responde aos interesses vitais da segurança nacional dos Estados Unidos, que devem prevenir e deter o uso de armas químicas letais”, afirmou Trump, no que foi visto como uma negação do discurso isolacionista que o presidente vinha empregando até então.

O uso de armas químicas, independentemente de quem tenha sido o responsável pelo ataque recente, é uma demonstração inequívoca de crueldade. “Nenhum filho de Deus deve sofrer tal horror”, disse Trump ao justificar o ataque. Trata-se de uma questão humanitária básica. A questão que se coloca é: como se chegou a esse ponto na guerra da Síria?

O uso de armas químicas é uma demonstração inequívoca de crueldade

Em agosto de 2012, Barack Obama lançou a teoria da “linha vermelha”: o uso de armas químicas por parte do ditador Bashar Al-Assad seria intolerável e levaria a uma intervenção norte-americana. Um ano depois, o pior ataque químico registrado até agora no conflito sírio matou centenas (ou milhares, dependendo da contagem) de civis em uma área nos subúrbios de Damasco controlada pelos rebeldes, mas a promessa de Obama não foi cumprida. Isso fortaleceu o regime de Assad, que conta com apoio incondicional russo e iraniano. O ataque lançado por Trump altera essa balança de poder.

A guerra síria envolve um emaranhado de alianças locais e internacionais ignorado por análises mais simplistas. Do ponto de vista “doméstico”, criticar qualquer ataque a Assad alegando que enfraquecer o ditador sírio significa fortalecer o Estado Islâmico, um de seus inimigos, é esquecer que o governo também tem apoio de grupos terroristas, como o Hamas e o Hezbollah. Do ponto de vista internacional, desde a retirada das tropas norte-americanas do Iraque, em 2011, a região não apenas se tornou mais explosiva – o próprio surgimento do Estado Islâmico ocorreu no vácuo deixado pelos Estados Unidos – como passou a gravitar mais intensamente na órbita russa. Um desequilíbrio geopolítico que o ataque norte-americano tenta compensar.

Além da consequência natural de mostrar que Vladimir Putin não pode continuar agindo sem freio no apoio a regimes assassinos, algumas mensagens da ação de Trump independem até mesmo de comprovação da autoria do ataque químico em Khan Sheikhoun. O recado de que o desenvolvimento ou uso de armas de destruição em massa não será tolerado será ouvido não apenas no Oriente Médio, mas em outras regiões e países com programas semelhantes, como a Coreia do Norte. Além disso, o presidente norte-americano tenta trazer as potências europeias – mais preocupadas com a crise dos refugiados que buscam a Europa para escapar dos horrores da guerra – para um papel mais ativo na tentativa de encerrar o conflito. “Peço a todas as nações civilizadas que se juntem a nós para pôr fim à carnificina e ao banho de sangue na Síria”, disse Trump.

A estratégia de Assad, até o momento, era vencer não pela negociação, mas pela aniquilação do adversário, com apoio russo. Que a demonstração de força norte-americana acabe servindo de estímulo para levar Assad, as parcelas da oposição que repudiam o terrorismo e as potências internacionais a buscar uma solução negociada para o conflito.

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