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| Foto: CHAIDEER MAHYUDDIN/AFP

Na última quarta-feira (06), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou o reconhecimento de Jerusalém como a capital de Israel e a intenção de transferir a embaixada americana de Tel Aviv para a cidade sagrada, onde funciona o governo do país. A decisão, embora ainda esteja longe de ser operacionalizada, tem profundos efeitos simbólicos e pode complicar ainda mais um já complexo processo de paz, que patina há décadas. Não por acaso, o anúncio atraiu críticas da comunidade internacional e até de aliados tradicionais dos Estados Unidos – quem se apressou em apoiar a decisão foi o governo israelense, liderado por Benjamin Netanyahu, e Rodrigo Duterte, o criminoso presidente das Filipinas.

É verdade que há uma lei aprovada pelo Congresso americano em 1995, e confirmada por unanimidade pelo Senado este ano, que o impele os Estados Unidos a reconhecer Jerusalém como a capital israelense e a transferir sua embaixada para a cidade. Mas a mesma lei traz um dispositivo, acionado por todos os presidentes desde então, inclusive por Trump, que garante ao chefe do Executivo a competência de renunciar a essa decisão com base na segurança nacional. Trata-se de um reconhecimento de que a questão é complexa e tem implicações inclusive para a segurança dos Estados Unidos, o que demanda prudência e planejamento por parte do país, principalmente se quiser se manter como negociador imparcial no processo de paz.

Sua decisão deveria vir precedida de um plano claro, negociado e apoiado pelos aliados

É exatamente essa prudência e capacidade de planejamento que a decisão de Trump, nas atuais circunstâncias, falhou em demonstrar. O mandatário alegou que a decisão representa “os melhores interesses quer dos Estados Unidos quer da busca pela paz entre Israel e os palestinos”, mas não apresentou nenhuma razão para isso. Tudo que o presidente afirmou é que o processo de paz está travado há décadas e que “seria loucura assumir que a repetição da mesma fórmula fosse agora produzir um resultado melhor ou diferente”, mas isso desconsidera que uma tomada de posição unilateral poderia piorar ainda mais o equilíbrio regional e a perspectiva de paz. Em uma situação tão delicada, ainda que Trump quisesse romper o impasse, sua decisão deveria vir precedida de um plano claro, negociado e apoiado pelos aliados, mas não foi isso que ocorreu.

O presidente tentou fazer uma concessão, garantindo que os Estados Unidos não se comprometem com nenhum resultado final das negociações, nem tomam partido sobre a disputada questão das fronteiras, que é alvo de um sem número de polêmicas diplomáticas e jurídicas. No entanto, um anúncio genérico do reconhecimento de Jerusalém como capital pode passar a mensagem errada para o mundo árabe e para os palestinos, que pleiteiam o território oriental de Jerusalém como capital para seu futuro estado, enquanto Israel, até por força de lei, insiste em uma Jerusalém “una e indivisível”. Independentemente do mérito das controvérsias, o status de Jerusalém é uma questão central para a paz na região.

Opinião da Gazeta: Trump e o ataque à Síria (editorial de 08 de abril de 2017)

Leia também: Jerusalém é de ouro (artigo de André Lajst, publicado em 10 de dezembro de 2017)

O atropelo de Trump, que fez questão de enfatizar que, ao contrário de seus antecessores, estaria cumprindo uma promessa de campanha, também não é capaz de afastar as suspeitas legítimas de que sua decisão se baseia menos no genuíno interesse nacional dos Estados Unidos e mais nas pressões internas de seu eleitorado religioso, que enxerga a questão apenas como uma disputa civilizacional com o Islã, e de seus apoiadores pró-Israel. O avanço das investigações que o FBI conduz sobre supostas ligações entre a campanha de Trump e a Rússia e o histórico de factoides que presidente gosta de criar tampouco ajudam a afastar a percepção de que o governo não estaria senão jogando para a plateia.

O anúncio de Trump, se realmente levado a cabo, levará alguns anos para ser implementado, mas as consequências negativas para a imagem e a pureza de intenções dos Estados Unidos, imprescindíveis em esforços diplomáticos, já se fazem sentir. Isso poderia ser evitado se uma decisão de tamanhos efeitos simbólicos tivesse sido acompanhada de clareza dos propósitos e de um plano concertado, mas até agora o presidente não conseguiu apresentar nem uma coisa nem outra. Do modo como as cartas estão agora postas na mesa, o movimento de Trump não serve nem à paz na região, nem ao multilateralismo, nem sequer a Israel. Pondo lenha na fogueira, é difícil antever como a atual posição dos Estados Unidos poderia contribuir para a solução de um dos conflitos mais intrincados da política mundial.

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