Uma semana atrás, comentando o agendamento célere do julgamento, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), das ações que pretendiam cassar o mandato de Sergio Moro (União Brasil-PR) no Senado, a Gazeta do Povo afirmou que “os ministros não poderão culpar os brasileiros que se mostrarem surpresos com uma corte que faz a coisa certa”, tantos foram os desmandos de caráter político protagonizados pela cúpula da Justiça Eleitoral. Pois foi com surpresa e alívio que a nação acompanhou o desenrolar do julgamento, que terminou com a absolvição unânime de Moro, acusado de abuso de poder econômico na pré-campanha.
Seguindo a maioria dos desembargadores do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, que haviam absolvido Moro por 5 a 2 semanas atrás, e o parecer enviado ao TSE pela Procuradoria-Geral Eleitoral, que também não vira indícios de irregularidade, o relator Floriano de Azevedo Marques reconheceu que a legislação a respeito da pré-campanha é omissa no que diz respeito aos valores que podem ser gastos nesta fase, mas que mesmo assim a matemática das ações que pretendiam tirar Moro do Senado era falha, contabilizando despesas que não deveriam estar ali relacionadas. Não deixa de ser surpreendente, aliás, que, nesses tempos de ativismo judicial, os ministros não tenham resolvido ali mesmo suprir tal lacuna e definir limites de gastos para pré-candidatos.
Se a ausência de “provas cabais” foi tão evidente no caso de Moro, porque de fato era esse o caso, como a mesma corte não pôde ou não quis percebê-la quando julgou Deltan Dallagnol?
Além disso, os gastos que o relator reconheceu como associados à pré-campanha foram considerados razoáveis e proporcionais aos cargos que Moro pleiteou antes de formalizar sua candidatura ao Senado pelo Paraná – o ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro da Justiça chegou a lançar seu nome à Presidência da República e, depois, ao Senado, mas por São Paulo. O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, comentou especificamente a questão das despesas com a segurança pessoal de Moro. “Eu sei o que é ser ameaçado pelo PCC. (...) Esses gastos devem ser completamente afastados de qualquer conotação eleitoral”, disse o ministro, que foi secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo e ministro da Justiça no governo de Michel Temer antes de ser nomeado para o STF.
Não há como ser ingênuo e ignorar que o julgamento de Moro tinha uma série de implicações também políticas, e que a absolvição esteja sendo lida como um início de distensão entre Judiciário e Legislativo – o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se encontrou com Moraes dias atrás para conversar sobre os casos de Moro e de outro senador cujo mandato é questionado no TSE, o catarinense Jorge Seif. Mesmo assim, o fato é que desta vez a corte efetivamente respeitou a lei, já que não havia o menor sinal de ilícito eleitoral, e o princípio do in dubio pro suffragium. Mas, ao fazer o certo desta vez, a corte também ajuda a ressaltar o absurdo de decisões anteriores que ela mesma tomou.
Diante das palavras de Moraes no julgamento desta terça-feira, é impossível não se lembrar de outra unanimidade, a que indeferiu a candidatura de Deltan Dallagnol, retirando-lhe o mandato de deputado federal. Cassações e inelegibilidades são “decisões graves que afastam pessoas dos mandatos concedidos pelo eleitorado e da própria vida política”, e que por isso exigem “provas cabais”, afirmou o ministro. Ora, se a ausência dessas “provas cabais” foi tão evidente no caso de Moro, porque de fato era esse o caso, como a mesma corte não pôde ou não quis percebê-la quando julgou Dallagnol? Se não havia processo administrativo disciplinar contra o ex-procurador da Lava Jato, ele não se encaixava nas hipóteses de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa – isso era ainda mais evidente que a falta de indícios de irregularidade na pré-campanha de Moro, reforçando a percepção de que, naquela ocasião, os ministros trocaram a lei e os fatos por exercícios de futurologia e conveniências políticas.
As decisões da Justiça Eleitoral afetam a política, mas não podem ser decisões políticas. Só há um critério: o respeito à lei – seja a Constituição, frequentemente ignorada pelo TSE quando se trata de cassar a liberdade de expressão alheia, sejam as normas que regem as eleições –, aplicada de forma igual para todos, independentemente de partido ou ideologia, sem linha-dura para um lado do espectro político e leniência para o outro lado. Normalidade institucional não é acomodação entre poderes, é a prevalência pura e simples do império da lei. É disso que o Brasil necessita, e é isso que o TSE tem de estar disposto a oferecer ao país.
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