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Editorial

TSE, confisco e censura

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O corregedor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luis Felipe Salomão. (Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE)

Ao “crime de opinião”, o Judiciário brasileiro acaba de acrescentar o confisco puro e simples. Só assim é possível interpretar a determinação do ministro-corregedor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Felipe Salomão, para que várias mídias sociais, como YouTube, Facebook, Twitter, Instagram e Twitch.TV, suspendam a monetização de canais e páginas – todos eles com viés ou de direita, ou conservador ou de apoio ao presidente Jair Bolsonaro – que estariam, na avaliação do ministro, promovendo “desinformação” sobre o processo eleitoral. Os repasses monetários, no entanto, não ficam simplesmente suspensos; Salomão determinou também que o dinheiro gerado pela visualização de conteúdos como lives seja direcionado a uma conta vinculada ao próprio TSE.

A lista de sites atingidos pela decisão é extensa e inclui Folha Política, Jornal da Cidade Online, Terça Livre e Nas Ruas. Já entre os indivíduos relacionados por Salomão estão responsáveis por alguns dos canais já mencionados, além do jornalista Oswaldo Eustáquio (que já foi preso arbitrariamente por ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes). O corregedor do TSE alega que um relatório produzido pela Polícia Federal “descreve, com riqueza de detalhes, a forma de funcionamento voltada a disseminar notícias falsas ou apresentadas de forma parcial, com o intuito de influenciar o eleitor quanto ao tema da higidez do sistema eleitoral brasileiro, visando obter, ao fim e ao cabo, vantagens político-partidárias ou financeiras”. No entanto, a decisão propriamente dita traz apenas cinco exemplos do que, na visão do corregedor, seriam comportamentos ilegais; a ampla maioria dos agora desmonetizados não tem um único caso sequer citado na decisão de Salomão. Supõe-se, pela leitura da decisão, que todas as demais evidências estariam no relatório da delegada Denisse Ribeiro; esta peça, no entanto, não foi tornada pública, em gritante falta de transparência da parte do TSE, que cobrou de Bolsonaro a apresentação das provas da suposta fraude eleitoral de 2018, mas agora não quer mostrar ao público as provas de que todos os sites, pessoas e canais atingidos pela ordem de Salomão estariam engajados em atividades que justificassem a desmonetização.

Falta embasamento minimamente sólido para uma decisão grave como a desmonetização, que corta a única fonte de renda de vários veículos e, na prática, inviabiliza seu funcionamento

A incoerência, no entanto, está longe de ser o único problema da decisão do TSE. Juristas e comentaristas têm apontado deficiências graves, como a ausência completa, nas 15 páginas do documento, da menção a um único artigo do Código Penal ou do Código Eleitoral que tenha sido violado. As únicas citações legais se referem às proteções constitucionais às liberdades de expressão e imprensa, e ali aparecem apenas para que Salomão faça a ressalva de que tais liberdades não são absolutas. De fato, não o são, mas seus limites se encontram justamente na legislação jamais citada na decisão, e não nas convicções pessoais do magistrado. Afinal, desinformação e fake news, embora muito condenáveis moralmente, não são crime no ordenamento jurídico brasileiro. Falta, portanto, embasamento minimamente sólido para uma decisão grave como a desmonetização.

Grave porque, ainda que não implique em privação da liberdade, como acaba de ocorrer com o ex-deputado Roberto Jefferson, preso por ordem de Alexandre de Moraes, a desmonetização corta a única fonte de renda de vários dos sites e canais mencionados na decisão. A consequência imediata disso é o encerramento, ou ao menos uma limitação severa, de suas atividades, o que não deixa de funcionar como uma forma indireta de censura prévia, vedada pela Constituição. “Pessoas têm suas fontes de subsistência canceladas da noite para o dia e sua honra e dignidade brutalmente atingidas, num sistema inescrupuloso em que elas são lançadas numa teia de denúncias vagas e coletivas das quais é impossível se desvencilhar ou exercer qualquer defesa efetiva”, afirmou em seu perfil no Facebook o professor de Direito Constitucional e procurador da República André Borges Uliano, em resumo perfeito da situação.

Ainda que efetivamente alguns dos indivíduos, sites ou canais estejam deliberadamente mentindo na internet, e ainda que seja muito prejudicial a criação de um clima de descrédito generalizado a respeito da lisura do processo eleitoral, os tribunais superiores escolheram o pior dos caminhos para responder ao problema: o do arbítrio, da falta de transparência, da canetada amparada não na lei, mas apenas nas convicções dos ministros, em inquéritos e investigações que são autênticos abusos. Abre-se mão dos canais institucionais convencionais – como o recurso à primeira instância para responsabilização civil, ou criminal no caso de eventuais crimes contra a honra – para se tomar atalhos obscuros, atropelando o devido processo legal e várias liberdades e garantias constitucionais. Quando chamou o inquérito das fake news de “inquérito do fim do mundo” durante uma entrevista, Marco Aurélio Mello afirmou “não é assim que se caminha, não é o exemplo que deveria ser dado”. O mau exemplo se tornou a norma em um Judiciário que, como já afirmamos, agora age sem freio algum.

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