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Deltan Dallagnol
Deltan Dallagnol, em junho, após a cassação do mandato pelo TSE.| Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Depois do tristemente famoso “direito achado na rua”, temos também o “direito achado na bola de cristal”, a julgar pela mais recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Colocada diante da oportunidade ímpar de retificar um de seus erros mais grotescos cometidos neste ano, a corte insistiu no erro e manteve, em julgamento encerrado nesta quinta-feira no plenário virtual, a cassação do registro de candidatura de Deltan Dallagnol, ex-procurador, ex-coordenador da Lava Jato e o candidato a deputado federal mais votado no Paraná em outubro de 2022. Para isso, o TSE teve de ignorar o bom senso, a lógica, os fatos e a Lei da Ficha Limpa, apoiando-se apenas em suposições e na “vontade política” de prejudicar alguém que ousou estar no caminho do agora presidente Lula.

A Federação Brasil da Esperança, que inclui o PT, foi à Justiça Eleitoral contra Dallagnol alegando que ele seria um ficha-suja por ter contra si a condenação – também absurda – do Tribunal de Contas da União no caso do pagamento de passagens e diárias a membros da força-tarefa da Lava Jato, e por ter pedido sua exoneração do Ministério Público Federal enquanto respondia a processo administrativo disciplinar (PAD). Os petistas alegaram que a Lei da Ficha Limpa considera inelegíveis para qualquer cargo “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário”, e os “magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar”, como dizem as alíneas “g” e “q”, respectivamente, do inciso I do artigo 1.º da Lei de Inelegibilidades.

Ninguém precisa ser versado em Direito para saber que se julga com base na lei e nos fatos, jamais com base em ilações, adivinhações, exercícios de futurologia, meras possibilidades não concretizadas por motivos desconhecidos, ou simpatias políticas

As duas alegações eram falsas. A condenação no TCU estava suspensa pela Justiça quando da candidatura, e Dallagnol não tinha nenhum PAD aberto contra si no momento de sua exoneração – os dois processos a que ele havia respondido já estavam concluídos, com resultado desfavorável (em outro caso escandaloso de perseguição política que comentamos exaustivamente neste espaço). A força destes fatos era tão avassaladora que o Tribunal Regional Eleitoral paranaense negou o pedido dos petistas e, quando o caso subiu para o TSE, a Procuradoria-Geral Eleitoral deu parecer contrário à impugnação da candidatura. Deveria bastar para garantir o direito de Dallagnol a ser eleito, mas no meio do caminho havia o ministro relator, Benedito Gonçalves, nacionalmente conhecido pelos episódios dos tapinhas carinhosos de Lula e do “missão dada, missão cumprida” na cerimônia de diplomação do atual presidente.

Gonçalves rejeitou a inelegibilidade com base na condenação pelo TCU, mas aceitou a inelegibilidade com base nos processos disciplinares. Para contornar a realidade óbvia, a de que Dallagnol não havia “pedido exoneração (...) voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar”, o ministro deu asas à imaginação: ainda havia reclamações disciplinares contra o então procurador, e elas poderiam se transformar em PADs. A mera possibilidade de que isso viesse a acontecer no futuro (e nem se cogitou a outra alternativa, a de que as reclamações não prosperassem), no raciocínio de Gonçalves, já bastaria para enquadrar Dallagnol na Lei da Ficha Limpa.

Ninguém precisa ser versado em Direito para saber que se julga com base na lei e nos fatos, jamais com base em ilações, adivinhações, exercícios de futurologia, meras possibilidades não concretizadas por motivos desconhecidos, ou simpatias políticas. O voto de Gonçalves pela cassação do registro de candidatura de Dallagnol já era aberrante se fosse postura isolada; que ele tenha sido seguido por todos os demais ministros do TSE naquele julgamento de maio tornou tudo ainda mais teratológico, um absurdo que se repete agora, no julgamento do recurso de Dallagnol contra a decisão tomada quatro meses atrás.

A Justiça Eleitoral atropelou a lei, os fatos e a doutrina do Direito Eleitoral, segundo a qual as normas precisam ser interpretadas da maneira mais estrita possível para não violar direitos fundamentais de eleitores e eleitos. Tudo isso para inventar uma nova circunstância de inelegibilidade – afinal, agora qualquer um pode apresentar uma reclamação contra um juiz ou membro do MP, mesmo que não tenha o menor fundamento, para inviabilizar qualquer futura pretensão política – feita sob medida para dar sequência à vingança petista contra todos os que se empenharam no combate à roubalheira do petrolão. Enquanto isso, os verdadeiros corruptores e corruptos continuam a ter seus processos anulados na tentativa de não só reescrever, mas inverter a história da Lava Jato.

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