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Editorial

O TSE e o “radiolão”: dois pesos e duas medidas

O presidente Jair Bolsonaro, no pronunciamento em que disse que iria "às últimas consequências" diante do caso
O presidente Jair Bolsonaro, no pronunciamento em que disse que seguiria buscando solução para a denúncia sobre inserções de rádio. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil)

Ainda há mais dúvidas que certezas a respeito da denúncia, feita pela coligação do presidente Jair Bolsonaro, de que emissoras de rádio em várias regiões do país, especialmente no Nordeste, estariam deixando de veicular inserções de propaganda do candidato do PL, colocando-o em clara desvantagem na comparação com o ex-presidente, ex-presidiário e ex-condenado Lula. A resposta do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, no entanto, não deixa dúvida alguma de que a corte está, efetivamente, contribuindo para desequilibrar a disputa eleitoral, tratando de forma diametralmente oposta as demandas judiciais de ambos os candidatos.

A parte do material entregue pela campanha de Bolsonaro ao TSE na terça-feira e que chegou ao conhecimento do público, no entanto, ficou aquém do tamanho da denúncia feita na véspera pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria. As centenas de planilhas apresentadas permitem comparar porcentagens e tempos de inserções dos dois candidatos em inúmeras emissoras do país todo, mas uma pasta vazada com detalhamentos com áudios cobria apenas oito emissoras. E ainda foi possível, posteriormente, encontrar disparidades entre as planilhas e os áudios em ao menos um caso. Também há uma controvérsia a resolver sobre o fato de a auditoria ter se debruçado sobre a programação efetivamente veiculada por ondas radiofônicas ou por streaming na internet – neste segundo caso, as regras para a propaganda eleitoral são mais frouxas.

Apesar disso tudo, diante do material apresentado, a postura esperada de um magistrado seria uma análise mais ponderada, dada a existência de indícios que poderiam ser ponto de partida para uma investigação a respeito da possibilidade de Bolsonaro ter sido prejudicado. Por óbvio, a abertura de investigação não é desfecho obrigatório; um juiz poderia, de fato, recusar a denúncia por inépcia, mas para isso teria de apontar as falsidades ou irregularidades que justificassem sua decisão. Aparentemente, não foi o que aconteceu, no entanto, e a resposta de Alexandre de Moraes foi marcada por uma série de problemas.

Ao recusar terminantemente a investigação, Moraes desqualificou de forma pouco criteriosa as auditorias contratadas, sem apontar com clareza onde estaria a inépcia que justificasse a rejeição

De início, já nos pareceu abusivo que Moraes tivesse ameaçado os denunciantes com abertura de inquérito caso não apresentassem as provas dentro do prazo de 24 horas. E, uma vez entregues as provas solicitadas, Moraes cometeu novos equívocos. Ao recusar terminantemente a investigação, ele desqualificou de forma pouco criteriosa as auditorias contratadas, sem apontar com clareza onde estaria a inépcia que justificasse a rejeição; as únicas menções mais específicas se referem a uma única emissora, a Rádio Bispa, silenciando completamente sobre os demais casos e limitando-se a críticas genéricas ao material apresentado.

Moraes ainda lavou as mãos a respeito da competência do TSE para fiscalizar as inserções – um caso raríssimo, talvez único, de aspecto da campanha eleitoral sobre o qual Moraes acredita não ter poder algum, já que a corte vem se atribuindo a capacidade de alcançar praticamente tudo com seus tentáculos e decisões inconstitucionais. E mesmo esta alegação ainda é contestada por especialistas em Direito Eleitoral. “O TSE é o fiscal da lei e tem poder de polícia. Se não fosse, por que motivo ter um responsável pelo pool de rádios e televisão? Os partidos devem, sim, fiscalizar também em defesa dos seus interesses. Mas a Justiça Eleitoral tem também essa responsabilidade, porque o sorteio dos horários e o mapa de mídia são feitos com a atuação da Justiça Eleitoral. Quem tem o poder de polícia para atuar de ofício é a Justiça Eleitoral. Não pode ela se desonerar desse poder-dever seu”, disse à Gazeta do Povo o jurista Adriano Soares da Costa.

Não satisfeito em simplesmente recusar a denúncia sem demonstrar onde estaria a inépcia alegada, Moraes ainda determinou que o episódio integre também o abusivo inquérito das “milícias digitais” no STF, do qual ele mesmo é o relator. E pediu que o procurador-geral eleitoral e a Corregedoria-Geral Eleitoral investiguem não as rádios, mas a própria coligação de Bolsonaro por “possível cometimento de crime eleitoral com a finalidade de tumultuar o segundo turno” e “desvio de finalidade na utilização de recursos do Fundo Partidário” – o que é contraditório, já que, se a fiscalização é responsabilidade dos partidos, como alega Moraes, com que dinheiro se espera que eles paguem as auditorias contratadas?

O que mais chama a atenção é que Moraes, além de pura e simplesmente descartar a denúncia, já deixou clara sua presunção-quase-certeza de que Bolsonaro agiu com má intenção. Mas como comprovar a eventual má-fé quando não se tenta averiguar a veracidade das alegações da campanha de Bolsonaro? Apenas depois que uma investigação demonstrasse a falsidade da denúncia faria sentido buscar as motivações por trás da apresentação de uma denúncia inverídica. Ao agir como agiu, Moraes simplesmente negou a um dos candidatos o devido direito ao acesso à Justiça.

Compare-se, agora, a resposta do TSE a um dos vários pedidos de censura feitos pela coligação de Lula recentemente. A petição que denuncia a existência de uma suposta operação coordenada entre bolsonaristas para se criar o alegado “ecossistema de desinformação” repete à exaustão que, para a abertura de investigação, “não é exigida a comprovação cabal a respeito da irregularidade apontada”. A investigação solicitada tinha justamente o objetivo de levantar as provas para confirmar ou não a ação coordenada e os abusos de poder político e econômico, assim como Bolsonaro pretendia que se investigasse se a disparidade de inserções radiofônicas ocorreu, e em que dimensões. Mas, enquanto este pedido foi sumariamente negado, aquele recebeu o “tapete vermelho” do ministro Benedito Gonçalves, que determinou investigação e uma série de medidas, incluindo desmonetização de canais e a censura prévia a um documentário da Brasil Paralelo.

A duplicidade de critérios que prejudica claramente um dos candidatos é extremamente danosa para o processo eleitoral, pois tira a credibilidade do órgão responsável por garantir sua lisura

Com uma serenidade notável e bem-vinda, Bolsonaro se pronunciou na noite de quarta-feira. Fazendo suas críticas legítimas à resposta de Alexandre de Moraes e sem elevar o tom, o presidente prometeu acionar os canais institucionais disponíveis para esclarecer o episódio. Foi extremamente oportuna sua menção a uma inserção específica da campanha petista, que acusa Bolsonaro de pretender eliminar direitos trabalhistas previstos na Constituição, como o 13.º salário. O pedido para que a peça fosse retirada do ar foi recusado na segunda-feira... por Alexandre de Moraes, sob a alegação de que a propaganda não dizia que Bolsonaro pretendia eliminar esses direitos – isso apesar de o narrador dizer explicitamente que “o próximo alvo” do presidente, depois de não mais reajustar o salário mínimo pela inflação, seriam as férias e o 13.º.

“O conteúdo da publicidade está direcionado no debate a respeito de possíveis propostas (...), revelando-se compatível com a dialética do debate político, inerente ao ambiente da disputa eleitoral (...) A afirmação contida na peça publicitária (...) aparenta, na verdade, conotação de advertência”, escreveu Moraes, em uma rara demonstração de sensatez, pois é da natureza das campanhas políticas o alerta para a possibilidade de um candidato promover algo considerado negativo. Mas esse argumento não valeu para Jair Bolsonaro, que teve banidas, por ordem da ministra Cármen Lúcia, inserções publicitárias afirmando que Lula pretendia trabalhar pela legalização do aborto no Brasil.

Essa duplicidade de critérios que prejudica claramente um dos candidatos é extremamente danosa para o processo eleitoral, pois tira a credibilidade do órgão responsável por garantir sua lisura. Por mais infundadas que possam ser, às vezes, as críticas feitas por autoridades e anônimos ao TSE, o fato é que nos últimos dias é a corte que vem desmoralizando a si própria. Seus ministros podem estar plenamente convictos de que estão defendendo a democracia e a igualdade de armas entre os candidatos, mas o resultado objetivo de suas decisões é violar a Constituição, agredir as liberdades democráticas e permitir praticamente tudo a uma das campanhas, enquanto dificulta ao máximo a campanha adversária – o episódio da exoneração do assessor responsável pelo envio das inserções, a poucos dias do segundo turno, em meio a todo esse turbilhão e com direito a mudança de versão para a demissão, só contribui para elevar a desconfiança. Não é apenas um candidato que perde quando a Justiça Eleitoral deixa de lado a necessária isenção: é o país todo que passa a sofrer com a suspeita de que suas eleições não estão sendo conduzidas como deveriam.

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