A reação de alguns taxistas curitibanos (e de cidades da região metropolitana) contra os motoristas do aplicativo Uber levou a cenas de conflito nos últimos dias. Desde a noite da última sexta-feira, dia 21, já foram registradas confusões no Aeroporto Afonso Pena, na Rodoferroviária e nas suas redondezas, além dos bairros Batel, Jardim Botânico e Rebouças. Vídeos espalhados pelas mídias sociais mostram taxistas cercando veículos identificados como sendo do Uber e constrangendo motoristas e eventuais passageiros, forçados a sair do veículo. Os relatos incluem depredação de automóveis e, pelo menos em um caso, um condutor escapou do cerco colidindo contra táxis para abrir espaço. Os taxistas afirmam que os vídeos mostram apenas parte da história, pois a provocação estaria vindo dos motoristas do Uber.
Esses são os primeiros episódios de conflitos mais sérios entre taxistas e motoristas ligados ao aplicativo, que começou a funcionar em Curitiba em março; na segunda-feira, enquanto motoristas do Uber estavam no plenário da Câmara Municipal, taxistas faziam protesto do lado de fora do prédio. Os vereadores já tinham aprovado projeto de lei que, na prática, inviabilizava o trabalho do Uber, mas no início de maio o prefeito Gustavo Fruet sancionou a lei com vetos que deixaram uma brecha para o uso do aplicativo, embora tenha mantido o aumento da multa para transporte ilegal, que agora é de R$ 1,7 mil. Outros projetos que regulamentam a atividade do Uber e eventuais assemelhados estão no Legislativo municipal.
Uma minoria acabará manchando o nome de toda uma categoria
A Constituição consagra a livre iniciativa como um dos fundamentos da ordem econômica, conforme lembrou o juiz fluminense Bruno Vinicius Bodart em decisão de agosto de 2015 favorável a um motorista do Uber no Rio de Janeiro. O poder público, normalmente, não pode impedir as trocas voluntárias entre cidadãos, o que inclui prestadores e fornecedores de serviços, a não ser em circunstâncias extraordinárias que justifiquem a ação estatal. Isso não quer dizer que toda e qualquer regulamentação seja inaceitável; mas, quando ela existir, terá de respeitar a livre iniciativa defendida pela Constituição, sem impor amarras que não sejam estritamente necessárias. No caso do Uber, é preciso ter em vista fatores como a segurança do cliente, a precarização das relações de trabalho (seja de taxistas, seja de motoristas do próprio Uber) e a qualidade do serviço oferecido. Se a discussão sobre a regulamentação girar em torno desses itens, e não se resumir a um esforço por manter uma reserva de mercado, o debate será bem-vindo e é necessário diante da rapidez com que os aplicativos estão alterando o panorama dos serviços de transporte individual.
Os taxistas, que veem seu ganha-pão ameaçado, têm todo o direito de pressionar os vereadores, inclusive para que eles votem uma regulamentação mais restritiva que o recomendado. Podem denunciar motoristas do Uber às autoridades, que tomarão as providências que considerarem adequadas. O que não podem, de forma alguma – nem mesmo em caso de provocação alheia –, é agir como justiceiros, bloqueando ruas, depredando carros e constrangendo o direito de ir e vir dos passageiros. É preocupante ouvir um líder dos taxistas, em entrevista à Gazeta do Povo, anunciar que “o clima de tensão vai aumentar contra toda essa pirataria”, apesar de se dizer contra as agressões. Quem deveria estar trabalhando ativamente para apaziguar os ânimos dá como certo que os conflitos continuarão.
Nos casos em que é possível identificar os motoristas ou táxis envolvidos, é imprescindível que o poder público municipal e estadual puna os responsáveis, tanto na esfera jurídico-criminal quanto administrativa. O mesmo vale para o Uber em relação a seus motoristas flagrados em atitude de provocação ou brigas. Se nada disso ocorrer, a omissão acabará encorajando novos conflitos, em que uma minoria acabará manchando o nome de toda uma categoria. A regra vale para todos, motoristas do Uber e taxistas: quem se esforça para oferecer um serviço de qualidade não pode ter sua reputação destruída por quem não tem condição de se portar de modo civilizado em um ambiente de competição.