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Tanque ucraniano a caminho da fronteira com a Rússia, em 18 de agosto.
Tanque ucraniano a caminho da fronteira com a Rússia, em 18 de agosto.| Foto: George Ivanchenko/EFE/EPA

Passadas quase duas semanas e meia, as forças de Vladimir Putin ainda não conseguiram retirar o exército ucraniano da região russa de Kursk, invadida em 6 de agosto em uma operação que surpreendeu todo o mundo – inclusive, talvez, os próprios ucranianos, já que o sucesso da operação se mostrou até maior que o esperado. Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, oito décadas atrás, a Rússia viu seu território invadido por uma força estrangeira, um golpe no moral de Putin maior que a breve insurreição dos mercenários do Grupo Wagner, em junho do ano passado.

Até agora, a Ucrânia vinha se concentrando na tentativa de reaver as partes do próprio território ocupadas pelos russos, além de lançar ataques ocasionais a alvos militares ou que fossem importantes para o esforço de guerra dentro da Rússia, mas usando drones e mísseis, sem nenhum tipo de incursão terrestre. A ofensiva na região de Kursk, portanto, coloca o conflito em um novo estágio. Não tanto pela área ocupada pelo exército ucraniano, que não é grande – pouco mais de mil quilômetros quadrados, quase o equivalente ao município de São Paulo –, mas pelo significado do ataque e pelo que pode vir a seguir.

Embora o objetivo final seja a recuperação de todo o território ucraniano, a invasão e a ocupação de áreas da Rússia pela Ucrânia se tornou ato legítimo de defesa diante da agressão injusta e unilateral russa

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, tem conseguido que as potências ocidentais que ajudam a Ucrânia com armas relaxem as restrições que haviam imposto anteriormente para o envio de equipamento militar. Já no fim de maio e início de junho os Estados Unidos e países europeus haviam removido o veto ao uso de armas fornecidas por essas nações nos ataques lançados de solo ucraniano contra alvos na Rússia. Até o momento, nem os EUA nem os países europeus se manifestaram contra a invasão de Kursk, realizada com blindados norte-americanos e tanques britânicos – na semana passada, o Pentágono afirmou que a ação ucraniana tinha caráter “protetivo”, e por isso estava de acordo com as regras norte-americanas para o uso de suas armas. De fato, Zelensky afirma que um dos objetivos da invasão é criar uma zona-tampão que proteja a Ucrânia de ataques russos vindos daquela região.

O fato é que, embora o objetivo final seja a recuperação de todo o território ucraniano tomado pelos russos, a invasão e a ocupação de áreas da Rússia pela Ucrânia se tornou ato de guerra legítimo como meio de defesa diante da agressão injusta e unilateral iniciada mais de dois anos atrás. Zelensky já disse não ter a intenção de manter a posse definitiva da região de Kursk, mas quer, além de estabelecer a mencionada zona-tampão, forçar Putin a sentar-se à mesa de negociação de forma mais desconfortável. Por mais que o ditador russo controle todo o aparato de comunicação e propaganda, centenas de milhares de russos agora veem a guerra causada pelo seu autocrata chegar às suas portas. E a retomada de Kursk pode exigir o uso de tropas até agora empenhadas na ocupação do leste da Ucrânia, facilitando uma contraofensiva ucraniana nesses locais.

Isso não significa que a ação não tenha seus riscos. Zelensky afirmou que o desenrolar da invasão de Kursk prova que as “linhas vermelhas” traçadas por Putin eram uma ilusão, em referência à possibilidade do uso de armas nucleares, mas é cedo para ter tanta certeza a respeito do que o ditador russo pode ou não fazer caso se veja acuado. A Rússia tenta retomar Kursk pelos meios convencionais, enquanto lança uma ofensiva contra outra cidade estratégia ucraniana, Pokrovsk, que está prestes a cair.

É inegável a coragem e a inteligência dos ucranianos em seu esforço para se defender de Putin; o ataque a Kursk é demonstração de tenacidade que certamente eleva o moral da Ucrânia, abala o sentimento de invencibilidade russo e mostra ao Ocidente que, com o devido apoio, os valentões geopolíticos podem ser colocados em seu devido lugar.

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