O governo brasileiro ampliou para 7 de dezembro a duração do edital de emergência que pretende repor a súbita saída de 8,5 mil cubanos do Mais Médicos, e universidades estão apressando a formatura de suas turmas para que os egressos possam conseguir registro nos respectivos Conselhos Regionais de Medicina e se inscrever no programa. Enquanto, aos poucos, as vagas disponíveis vão sendo preenchidas, em um teste para o discurso segundo o qual os profissionais brasileiros se recusam a trabalhar nos rincões mais distantes do país, a revelação do conteúdo de telegramas da embaixada brasileira em Cuba comprova aquilo de que se suspeitava desde que o Mais Médicos foi lançado: o programa foi desenhado sob medida com a finalidade principal, mas oculta, de abastecer os cofres da ditadura de Fidel e Raul Castro.
O jornal Folha de S.Paulo teve acesso ao texto das comunicações entre Brasil e Havana, cujo sigilo de cinco anos já foi levantado. Eles demonstram de forma inequívoca que a iniciativa do Mais Médicos partiu não do governo brasileiro, mas do cubano, que à época já tratava seus médicos como mera ferramenta, cuja força de trabalho era uma importante fonte de renda para Havana – a ditadura chegou a criar uma Comercializadora de Serviços Médicos Cubanos, em 2011. A SMC veio ao Brasil em 2012 e fez a lição de casa, identificando as áreas carentes de profissionais e lugares onde concursos não tinham interessados apesar de oferecer bons salários. Dilma Rousseff ouviu a ideia de “importar” profissionais de Cuba, e as negociações começaram quase que imediatamente, de forma secreta.
Os ditadores cubanos veem os profissionais como propriedade sua
Os telegramas mostram que o Brasil concordou com todas as exigências cubanas – inclusive a de que os médicos seriam forçados a retornar à ilha caribenha, mesmo que desejassem ficar no Brasil. O único ponto de discordância, posteriormente resolvido, era o valor pago, embora todos concordassem que o médico só receberia algo entre 15% e 25% da quantia, e o resto iria para os cofres do governo cubano. Por fim, veio a ideia do marco jurídico pelo qual os profissionais seriam contratados, envolvendo a participação da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), com a qual o Brasil celebraria os contratos. A triangulação tinha um objetivo claro: evitar que a vinda dos médicos fosse caracterizada como uma ação entre dois Estados, o que exigiria aprovação do Congresso Nacional.
Leia também: O Mais Médicos sem os cubanos (editorial de 21 de novembro de 2018)
Leia também: Cuba chama os médicos de volta (editorial de 15 de novembro de 2018)
Foi assim que, quando a população tomou as ruas em 2013 pedindo, entre outras coisas, “saúde padrão Fifa”, Dilma sacou da cartola o Mais Médicos como se seu governo estivesse dando respostas ágeis à população, e como se o programa consistisse apenas em “chamar médicos estrangeiros para atuar no Brasil”. Na verdade, tratava-se apenas de uma roupagem simpática para um acordo costurado às escondidas com a mais abjeta das ditaduras latino-americanas – o contrato com a Opas já estava assinado antes de os protestos começarem –, com o objetivo principal de bancar financeiramente a opressão dos Castro em Cuba em troca da força de trabalho de médicos que são reféns do regime. Um absurdo que foi referendado pelo Supremo Tribunal Federal em 2017, quando o plenário da corte considerou legal o fato de os cubanos receberem apenas uma fração do que era pago aos colegas de outros países.
O que Jair Bolsonaro fez foi, única e exclusivamente, defender – e, no momento, isso é tudo o que ele pode fazer, pois ainda não tomou posse – uma mudança nos termos absurdos com que o governo Dilma permitiu a vinda dos cubanos: eles passariam a ter o mesmo tratamento que qualquer outro estrangeiro participante do Mais Médicos. Mas tamanha igualdade e liberdade é inaceitável para os ditadores cubanos, que veem os profissionais como propriedade sua e tomaram a iniciativa de encerrar a cooperação antes mesmo que o novo governo assumisse, ainda por cima com a desfaçatez de insinuar, em nota, que o brasileiro saberia que a responsabilidade pelo rompimento era do presidente eleito. Pois a revelação dos telegramas mostra exatamente o que foi o Mais Médicos: acima de tudo, um acerto entre o PT e a ditadura cubana, em que a saúde dos brasileiros era a última das preocupações e foi instrumentalizada para viabilizar apoio financeiro ao regime de Havana.