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Editorial

A agressão russa contra a Ucrânia completa um ano

Barreiras antitanque na Praça da Independência, em Kiev, em fevereiro de 2023: mesmo depois que as forças russas se retiraram das proximidades da capital ucraniana, estruturas foram deixadas como homenagem aos soldados mortos na invasão russa. (Foto: Sergey Dolzhenko/EFE/EPA)

A expectativa de Vladimir Putin para a Ucrânia, em fevereiro de 2022, era a de uma campanha relativamente rápida, que terminasse com a anexação de novos territórios a exemplo do que ocorrera com a Crimeia em 2014 e, de preferência, com a derrubada do presidente Volodymyr Zelensky e sua substituição por um fantoche do Kremlin, enquanto o ocidente, especialmente os países europeus dependentes do gás russo, assistiria a tudo calado. A realidade, no entanto, é a de uma guerra que completa um ano nesta sexta-feira e que, apesar de ganhos territoriais, está longe de ser vencida, com Zelensky prestigiado internacionalmente e as nações europeias se unindo contra o agressor, com direito a uma possível expansão da Otan. Assim podemos resumir muito brevemente o conflito provocado pelo delírio imperialista de Putin, e que infelizmente não parece prestes a se encerrar, prolongando o sofrimento da população ucraniana.

Putin recorreu a toda sorte de mentiras históricas, culturais e geopolíticas para justificar a invasão. Ele invocou a possibilidade de adesão ucraniana à Otan como um risco para os russos – por mais que a aliança militar ocidental já estivesse a poucas centenas de quilômetros de Moscou, pois os países bálticos integram a Otan desde 2004. Meses antes do ataque, já havia alegado que a identidade nacional ucraniana, o que inclui sua cultura e seu idioma milenares, seria uma ficção, um artificialismo herdado da era soviética, como se a Ucrânia atual não passasse de uma “filha” ou “irmã mais nova” da Rússia, em uma “unidade histórica” cujos rumos deveriam ser definidos por Moscou. O fato é que Putin não admite que os ucranianos queiram ser mestres de seu destino, o que inclui uma aproximação com o ocidente se assim o desejarem, com ou sem uma adesão formal a entidades como a Otan ou a União Europeia.

Qualquer eventual negociação precisa de algumas condições iniciais: não há como aceitar, por exemplo, que a Rússia tome território ucraniano, ou que os responsáveis pelos crimes de guerra russos escapem sem responsabilização

Pois não apenas os ucranianos – esse povo “artificial” e “sem identidade”, segundo Putin – vêm defendendo sua nação com enorme bravura, como também conquistaram o apoio das democracias do ocidente rico, algumas das quais assumiram os riscos energéticos decorrentes do fim do fluxo de gás russo abundante e barato. Essa combinação tem permitido que a Ucrânia se mantenha viva diante de um agressor com poderio militar muito maior. A ajuda ocidental a Kiev, na forma de recursos financeiros e militares, felizmente vem aumentando em quantidade e qualidade, permitindo aos ucranianos até mesmo a realização de ofensivas bem-sucedidas como a do fim de 2022. Mesmo assim, os russos continuam sendo um adversário poderoso – e inescrupuloso, como demonstrado pelos crimes de guerra descobertos em cidades retomadas pelas forças ucranianas, pelos ataques russos a áreas civis longe das frentes de batalha, e pela tentativa de apagar a cultura ucraniana nas áreas invadidas, com perseguição contra professores.

Ao descobrir, tardiamente, que a Ucrânia está mais para o Afeganistão dos anos 80 que para as outras ex-repúblicas soviéticas mais fracas que Putin subjugava em poucos dias, e ao perceber que o ocidente não ficaria apenas observando como em 2014, Putin passou a lançar mão da ameaça nuclear em discursos e, mais recentemente, com a suspensão da participação russa no tratado de não proliferação New Start. Mesmo um megalomaníaco como Putin, no entanto, deve saber que um ataque nuclear teria consequências imprevisíveis também para a Rússia; mais prudente é tentar conquistar apoios como da China, que já vem ajudando Moscou a contornar as sanções econômicas impostas pelo ocidente e, segundo a inteligência norte-americana, estaria prestes a fornecer armas aos russos para reforçar a ofensiva.

Uma participação chinesa mais ativa no conflito – e os chineses olham com interesse para o desenrolar da guerra, pois têm suas próprias ambições imperialistas – é, talvez, um risco mais concreto que o de uma agressão nuclear russa. Ela deixaria ainda mais evidente que na Ucrânia se desenrola uma disputa entre democracias e autoritarismos, mas também colocaria o ocidente em um dilema, pois cortar laços comerciais com a China seria uma decisão muito mais arriscada que impor sanções à Rússia. Durante a Conferência de Segurança de Munique, dias atrás, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, avisou Wang Yi, chefe da diplomacia chinesa, que o envio de ajuda militar à Rússia “traria sérios problemas”, sem especificar que tipo de medidas os EUA poderiam tomar.

Também em Munique, o presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou não ver perspectiva de um desfecho militar, com uma vitória decisiva de alguma das partes. Para ele, como “nenhuma das duas partes pode ganhar por completo”, será preciso “que a Ucrânia lance uma ofensiva militar que transtorne o front russo, com o objetivo de forçar o retorno das negociações”. Mas qualquer negociação, neste caso, precisa de algumas condições iniciais: não há como aceitar, por exemplo, que a Rússia tome território ucraniano, ou que os responsáveis pelos crimes de guerra russos escapem sem responsabilização. Aceitar novas anexações seria legitimar o modus operandi russo e deixar abertas as portas a novos ataques, à Ucrânia ou a outros países, assim que a Rússia se recuperasse – de certa forma, pode-se dizer que a invasão de 2022 só ocorreu porque a de 2014 foi recebida com apaziguamento em vez de resistência. Os “valentões” de todo o mundo olham para a Ucrânia na esperança de ver ali o sinal verde para suas próprias aventuras imperialistas; que a comunidade internacional lhes diga enfaticamente que isso não será tolerado.

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