Parte das dúvidas que a sociedade tinha sobre o teor da reforma da Previdência que será proposta pelo governo de Jair Bolsonaro foi esclarecida por uma minuta de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que o jornal O Estado de S.Paulo obteve dias atrás. Ainda que seja difícil avaliar até que ponto o texto é realmente a reforma que o governo quer enviar ao Congresso, ou se ele é mais um balão de ensaio destinado a testar a reação dos brasileiros, o certo é que a proposta – ainda sem o aval do presidente Jair Bolsonaro, que segue hospitalizado – tem vários méritos e alguns trechos mais duros, que parecem feitos sob medida para acabarem suavizados durante a tramitação, sem que isso torne a reforma inócua em seu propósito de ajustar as contas públicas.
De imediato, é preciso ressaltar que o texto prevê um tratamento mais igualitário entre trabalhadores dos setores público e privado. A desigualdade entre os dois grupos tem sido atenuada com regras aprovadas anos atrás para os servidores, como o fim da aposentadoria com salário integral para quem foi contratado após 2003. Mesmo assim, o “déficit per capita” do funcionalismo ainda é dez vezes maior que o dos trabalhadores da iniciativa privada. Chama a atenção, na proposta, a instituição de uma contribuição previdenciária para os militares, que não pode ser menor, em porcentual, que aquela cobrada para o INSS. Hoje, os membros das Forças Armadas contribuem apenas para o pagamento de pensões. Este aspecto da reforma – isso se o texto divulgado for a proposta real do governo, é sempre bom lembrar – é fundamental, e o governo não deveria abrir mão de mantê-lo intacto, até porque há alguns outros itens que dão a Bolsonaro e Paulo Guedes uma boa margem de manobra.
Este início de mandato é o melhor momento para que o governo leve a proposta ao Congresso
Um item que já recebeu muitas críticas é a diminuição do benefício pago a portadores de deficiência e a pessoas de baixíssima renda que não contribuíram para a Previdência, ou o fizeram por muito pouco tempo. Esse valor deixaria de ser atrelado ao salário mínimo e, pela proposta, seria de R$ 500 (ou R$ 750 para maiores de 65 anos) até que fosse editada lei complementar regulamentando esse pagamento. Tal medida não é condizente com a necessidade de proteger os mais miseráveis e aqueles que se encontram incapazes de buscar uma outra fonte de renda.
Igualmente controversa é a proposta de estabelecer idades mínimas iguais de aposentadoria para homens e mulheres, algo que não havia sido cogitado nem mesmo na reforma de Michel Temer e Henrique Meirelles, que previa 65 anos para homens e 62 para mulheres. O texto obtido por O Estado de S.Paulo impõe 65 anos para a iniciativa privada e o funcionalismo, 60 para professores e trabalhadores rurais, e 55 para policiais – independentemente do sexo, em todos os casos. Os tempos mínimos de contribuição também são os mesmos para homens e mulheres. Essa igualdade completa tende a desconsiderar o fato de as mulheres ainda arcarem com a maior parte das tarefas domésticas e tenderem a passar mais tempo fora do mercado de trabalho devido à maternidade. Alguma forma de compensação, seja na idade mínima para a aposentadoria, seja no tempo de contribuição necessário para requerer o benefício, seria adequada neste caso.
Leia também: Um cronograma para a reforma da Previdência (editorial de 30 de janeiro de 2019)
Pelo texto atual, o impacto econômico estimado é uma economia de R$ 1,3 trilhão ao longo dos próximos dez anos – um alívio essencial para um governo que, hoje, acumula déficits primários que superam os R$ 100 bilhões anuais. A equipe econômica certamente já está calculando o custo de cada concessão que pode ser feita – alguma mudança nos requisitos para a aposentadoria das mulheres, ou a elevação dos benefícios assistenciais, por exemplo – para saber o que pode ser colocado na mesa sem atenuar demais a economia pretendida.
Uma das lições do naufrágio da reforma previdenciária de Temer e Meirelles é a de que a hesitação custa caro. A reforma exigirá tempo, seja na discussão com a sociedade, seja no trâmite parlamentar, e por isso este início de mandato é o melhor momento para que o governo leve a proposta ao Congresso. Os governadores, especialmente dos estados em situação fiscal lastimável, tenderão a estimular as bancadas estaduais a apoiar a reforma, já que o funcionalismo nos estados teria de adotar as mesmas regras que forem implantadas para os servidores federais. Se Bolsonaro e Paulo Guedes conseguirem passar um texto que preserve um caráter igualitário e proporcione uma economia substancial, farão um bem inestimável ao país.
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