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Quando as soluções para situações prosaicas vêm todas de cima, as pessoas passam a ver o espaço público como "coisa de ninguém", quando ele deveria ser "coisa de todos"

Datas cívicas, como a de hoje, costumam inspirar reflexões sobre os rumos da nação e o que precisa ser feito para tornar o Brasil um país melhor. No entanto, boa parte dessas reflexões gira em torno do que os outros – principalmente o governo – deveriam colocar em prática para que o Brasil avance. Pouco se fala sobre a responsabilidade individual na construção de uma nação desenvolvida. Essa mentalidade tem origem em décadas de um paternalismo, especialmente reforçado nos últimos dez anos, que levou o brasileiro a esperar do Estado a solução para todos os problemas e a ver a cidadania como mera reivindicação. Sem dúvida, fiscalizar e cobrar os representantes eleitos é um componente importante de uma vida cidadã, mas a verdadeira cidadania é muito mais abrangente: inclui identificar as oportunidades para cada indivíduo ou grupo agir em prol do desenvolvimento de sua comunidade.

Em junho, por exemplo, esta Gazeta do Povo contou a história de curitibanos que, por conta própria, passaram a arborizar ruas e praças da capital paranaense. Para muitos, essas pessoas estariam "cobrindo uma lacuna" da atuação do Estado, que seria o verdadeiro responsável por cuidar das árvores curitibanas. Mas, na realidade, esse é o tipo de tarefa que efetivamente cabe aos próprios cidadãos, e não ao poder público. A frase de um dos ativistas, Jorge Brand, resume magistralmente no que consiste esse protagonismo do indivíduo no cuidado com o local onde vive: "Eu não vou simplesmente ligar para o telefone 156 pra plantarem uma árvore na frente da minha casa. Eu mesmo vou fazer. É para que a gente tenha o sentido de pertencimento à cidade".

O exemplo das árvores curitibanas serve para ilustrar o chamado "princípio da subsidiariedade", segundo o qual as instâncias superiores somente deveriam ser acionadas quando as instâncias inferiores não são capazes de agir. Em uma situação ideal, os próprios moradores se encarregariam de arborizar os espaços onde vivem, com entidades do setor ambiental fornecendo a orientação para que, por exemplo, não fossem usadas espécies exóticas (que oferecem um risco ao meio ambiente) e para evitar o plantio em locais indevidos, como em esquinas onde a visibilidade dos motoristas ficasse prejudicada pela presença de uma árvore, aumentando a chance de acidentes. A prefeitura só interviria caso os moradores não demonstrassem interesse nenhum na atividade, ou se ela estivesse sendo feita sem orientação alguma. Infelizmente, o caso de dois amigos – um deles engenheiro florestal – que foram ameaçados de prisão por vandalismo pelo fato de plantarem árvores por conta própria mostra o quanto o Brasil atual ainda segue longe do ideal da subsidiariedade, que pode ser aplicado aos mais diversos aspectos da vida em sociedade, como a educação, a prestação de serviços ou a atividade econômica.

Quando direcionada às áreas públicas, a subsidiariedade devolve ao indivíduo, às famílias e aos grupos de cidadãos organizados o poder de decisão sobre o local onde vivem e eleva o senso de responsabilidade e cuidado de uns para com os outros. Ela cria o "sentido de pertencimento à cidade" de que falava Brand. Quando as soluções para situações prosaicas vêm todas de cima, as pessoas passam a ver o espaço público como "coisa de ninguém", quando ele deveria ser "coisa de todos". Uma pessoa convicta de que certa área não é de ninguém não tem o menor estímulo para cuidar dela, e essa mentalidade está na origem da degradação de tantos locais que outrora eram o espaço do convívio saudável entre os cidadãos, como praças e parques que hoje abrigam atividades como o tráfico e o uso de drogas.

Um outro obstáculo à aplicação da subsidiariedade é a ideia de que já pagamos muitos impostos, que deveriam ser suficientes para cobrir todas as tarefas que nos acostumamos a ver como função do poder público. Não há dúvidas de que a carga tributária é desproporcional aos serviços oferecidos ao cidadão, mas a subsidiariedade não é exatamente uma questão de gestão responsável dos recursos. Ainda que o Estado fosse capaz de usar bem o dinheiro dos impostos e realizar com 100% de eficácia todas as funções que costumamos esperar dele – do gerenciamento do tráfego e da administração das redes de saúde e educação aos cuidados mais básicos, como manter a grama aparada em todas as ruas –, não seria justo que o poder público se encarregasse das tarefas que os cidadãos (sozinhos ou organizados em grupos) poderiam cumprir por conta própria porque, agindo assim, acabaria atrofiando a capacidade dos indivíduos de buscar seu próprio desenvolvimento.

Assim, pensar em como fazer um Brasil melhor inclui não apenas cobrar das autoridades, mas principalmente descobrir formas de cada cidadão, na medida das suas capacidades, contribuir para melhorar sua rua, seu bairro, e sentir-se plenamente responsável pelo espaço onde vive. As mudanças mais eficazes são justamente aquelas promovidas de baixo para cima, por aqueles que estão diretamente envolvidos e conhecem como ninguém a realidade da comunidade. É preciso eliminar as barreiras legais a esse protagonismo cidadão, mas ainda mais importante é remover as barreiras culturais deixadas pelo paternalismo e abandonar a passividade de quem apenas espera as soluções do alto.

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