Praticamente em uníssono, o mundo condena o ataque de Israel à flotilha que levava ajuda para a empobrecida população de Gaza, no início desta semana. E, embora seja muito provável que o comboio carregasse mais que provimentos humanitários, é fácil entender a reprovação generalizada. Ações como essa, somada a décadas de medidas opressivas, só fazem crescer a revolta e o radicalismo dos palestinos.
É legítimo que Israel impeça que carregamentos de arma cheguem às mãos dos extremistas de Gaza e da Cisjordânia, mas com o nível de sofisticação militar de que dispõe é inaceitável que o faça por meios tão extremos, usando uma força desproporcional à ocasião. Além dos métodos, a própria eficácia dos bloqueios precisa ser posta em xeque. Eles têm se mostrado insuficientes para impedir que armamentos pesados cheguem às mãos dos radicais, mas altamente eficazes para deixar milhares de palestinos famintos e cada vez mais dependentes do Hamas.
A opção do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu pelo confronto só favorece os grupos radicais. É dessa opressão que o Hamas tem tirado suas forças. É com ela que semeia o ódio entre a população palestina ao mesmo tempo em que firma-se como força de amparo e proteção a "seu" povo. A verdade invisível para a população palestina é que ao Hamas não interessa a independência palestina, que lhe retiraria poder e apoio doméstico. A causa palestina é para o Hamas apenas um recurso retórico. É essa a constatação que as autoridades israelenses precisam fazer para mudar os rumos da história. Ao refutar a via diplomática e preferir a força bruta, Israel priva famílias inteiras de uma ajuda vital para sua sobrevivência e dá ao Hamas exatamente o que mais querem os radicais do grupo.
Há um grande número de palestinos filiados aos grupos radicais e os constantes ataques desferidos contra o território israelense comprovam essa assertiva sempre tão lembrada nos gabinetes israelenses. Mas a imensa maioria do povo palestino não está às voltas com bombas e fuzis; em vez disso, passa os dias lutando contra condições indignas de vida. Oito em cada dez habitantes de Gaza e da Cisjordânia dependem da ajuda humanitária internacional para sobreviver. Faltam empregos, escolas e os bloqueios israelenses dificultam o acesso aos serviços médicos. A imensa maioria dos moradores dos territórios ocupados são vítimas das ofensivas militares de Israel, da corrupção da Autoridade Palestina e da opressão dos grupos armados, sempre dispostos a recrutar seus filhos e filhas.
Todo o ciclo está montado a serviço da violência. O reconhecimento de que a maioria dos palestinos é vítima, inclusive de seus patrícios, pode ser um primeiro passo. Ele levaria à constatação de que a ajuda humanitária precisa chegar aos territórios ocupados. Quando as desgastadas táticas dão mais uma prova de sua falência, é sinal de que a situação exige uma atitude diferente. E um novo cenário, em que se vislumbre alguma esperança de paz, depende essencialmente da mudança na estratégia israelense.