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O Brasil está diante de um fato novo. A insatisfação com a Copa do Mundo é evidente e se manifesta sem pedir licença à etiqueta, como se viu há poucos dias em diversas cidades, inclusive em Curitiba. Há temor. Tudo indica que os ânimos estão acirrados porque à medida que o campeonato se aproxima, mais se torna urgente aproveitar a deixa para dizer que é baixa a nota merecida pela educação, o transporte e a segurança pública. Nas grandes cidades, a temperatura se mostra ainda mais alta – a incompetência das gestões públicas torna a vida de muita gente insuportável, algo como um enorme engarrafamento que impede chegar em casa. Diante de tudo o que está aí, não há meias palavras. Protesta-se – e a Copa do Mundo se presta a alvo.

Mas há um risco, por mais democrático que seja o jogo. Os investimentos da Copa poderiam ser oferecidos a outras áreas carentes. Difícil negar. Por outro lado, também representam uma oportunidade para o país – a oportunidade de aumentar nossa potencialidade turística e fazer parte de um mercado que extrapolou 1 bilhão de viajantes em 2012. Não acreditamos muito que somos capazes de ser uma rota importante, mas somos. Talvez a baixa-estima para com o país impeça de perceber a atenção do mundo para com o Brasil, mas ela existe, é fato, anda nas bocas, e, tomara, não nos tome de assalto.

Na última década o Brasil despontou para o mundo como um lugar diferente. À revelia dos problemas que carrega, passa a imagem de uma grande e generosa fronteira, nas quais se pode respirar tolerância e hospitalidade. Não seriam esses os valores mais desejáveis do século? Exagero? Não, pelo que parece. Há quem tenha se dado conta desse momento favorável, mas essa informação não caiu no nosso colo ainda. Raivosos, desprezamos a oportunidade de ser uma das rotas por onde o mundo quer circular. Faça o teste. Basta dizer para um cidadão comum que o entretenimento representa a terceira indústria do planeta, atrás da bélica e da automobilística, e que o turismo faz parte esse guarda-chuva, para receber de troco um olhar de desconfiança. Todo e qualquer país adoraria fazer parte dessa economia de mais de US$ 800 bilhões anuais – e da economia criativa que a acompanha – mas nem todos têm tantas praias, um Pantanal, uma Floresta Amazônica e uma população com propensão a receber bem. Melhor receber de braços abertos.

A questão foi levantada pelo publicitário Nizan Guanaes e merece crédito. Enquanto nos digladiamos contra a Copa, o país perde mais e mais terrenos para se firmar como destino turístico. Sim, o campeonato pode ser uma oportunidade para melhorar os aeroportos e as estradas. Não só. É uma ocasião para nos tornarmos mais cosmopolitas, testando-nos no contato com os visitantes, experiência que, de resto, nos refila. Precisamos dessa madureza. Outros países passaram por ela. Exemplo? Quem foi a Portugal, 20 anos atrás, e vai hoje, percebe a diferença flagrante. De país casmurro e atrasado se tornou país hábil em receber. Onde se fala várias línguas. Onde preços justos são praticados, de modo a não fazer o turista se sentir o bobo da corte, uma presa fácil.

Repetir aqui essa proeza – e esquentar a economia nacional com os avanços trazidos pelo turismo – exige trabalho pesado. É preciso tornar visíveis os ganhos do setor. Mostrar a parte que cabe a cada um. E acima de tudo acreditar que podemos ser um destino preferencial, apesar de tudo o que nos faz pensar o contrário. Temos violência, pobreza, atraso urbano, mobilidade sofrível, mas permanecemos o Mundo Novo, dono de inacreditável patrimônio natural, cultura miscigenada notável, jovialidade. Há algo no Brasil que é inesperado e surpreendente aos olhos dos estrangeiros. Muitos se deixaram ficar por nós e podem continuar a fazê-lo. É fato também que provocamos a decepção de uns tantos, como negar. Os impropérios ditos em relação ao país são notáveis.

Muitos desses desaforos constituíram obras como o divertido Contra o Brasil, de Diogo Mainardi, espécie de coletânea de maldições sobre o país, ditas por sumidades como Levis-Strauss e Albert Camus, para citar dois. Não nos atinge. Pelo contrário, ajuda a formar nossa autoimagem. Podemos dizer que somos capazes de fazer autocrítica sobre o jeitinho, o familismo, a censura, entre outros pecados de nossa formação. Nenhum desses percalços significa que não possamos fazer parte do movimento internacional de mobilidade. O planeta se movimenta, entre continentes e cidades, e o Brasil é um desses lugares de passagem obrigatória. Além de não duvidar, palavra de ordem é entender que nenhum protesto pode apagar o desejo que o Brasil desperta. Cabe a nós ajudar a realizá-lo.

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