Um dos fatos mais marcantes deste mês foi a coragem dos cubanos, que saíram às ruas de seu país para enfrentar a ditadura que os oprime desde a Revolução de 1959. A deterioração econômico-social da ilha foi tanta que sequer o medo da repressão (que aconteceu mais uma vez após os protestos) foi capaz de deter os seus cidadãos.
Não muito distante dali, na Venezuela, outro regime de inspiração marxista, também continua a colocar sua população em situação deplorável.
A questão venezuelana é um pouco diferente, porém. Tendo assumido um governo socialista no século 21, desde Hugo Chávez, o país passou por uma série de rearranjos institucionais visando a manutenção do Partido Socialista Unido da Venezuela no poder. Contudo, mantinha eleições periódicas, mesmo com bastante desconfiança sobre sua lisura.
Em 2018, entretanto, a reeleição de Nicolás Maduro foi marcada por uma votação com abstenção gigantesca e com denúncias de fraude reconhecidas dentro e fora do país.
Juan Guaidó, então presidente da Assembleia Legislativa do país, proclamou-se presidente interino até a realização de novas eleições, e foi reconhecido como tal por muitos países, incluindo Brasil, Estados Unidos e Colômbia.
Hoje, a Venezuela tem como que dois governos: Guaidó, que governa de direito, inclusive negociando com países aliados uma solução para o país; e Maduro, que governa de fato, com ajuda das forças de segurança nacional.
Desde 2018, o país vive nesse limbo institucional que já contou com episódios de manifestações de ruas (reprimidas por Maduro), fuga de venezuelanos para os países vizinhos, crise de falta de alimentos e medicamentos, hiperinflação e, claro, a pandemia de Covid-19 que afetou a todos.
A última cena dessa queda de braço entre os dois “governos” aconteceu no dia 12 deste mês, quando policiais à paisana entraram no prédio onde mora Guaidó e tentaram prendê-lo. O presidente interino escapou ileso, mas não o seu colega e ex-deputado Freddy Guevara que foi detido pelo regime bolivariano.
Em maio, Guaidó anunciou um “acordo de salvação nacional” para que os dois lados pudessem sentar em território neutro e negociar a realização de novas eleições "democráticas e transparentes" para o país.
Maduro afirma desde então que está disposto a negociar com a “oposição”, mas até agora as palavras não foram acompanhadas por atos que demonstrem verdadeiro interesse, prova disso foi a tentativa de prisão de Guaidó mencionada acima. Ademais, Maduro exige que os Estados Unidos levantem primeiro as sanções impostas à Venezuela.
Desde 2017, o governo dos EUA apertou as sanções contra o regime de Maduro na esperança de que isso pudesse forçar o ditador a negociar. O presidente americano Joe Biden ainda não se manifestou sobre o assunto, mas atender as exigências de Maduro seria um erro determinante, pois elas têm sido até aqui um meio eficaz para dobrar a força que o ditador possui por meio de suas forças armadas.
Enquanto isso, o povo da Venezuela continua em situação de vulnerabilidade. O Observatório Venezuelano de Conflitos Sociais (OVCS) afirmou recentemente em relatório que a população do país enfrenta não só “as consequências de uma pandemia, de controles prolongados exercidos pelo Estado sem um plano eficaz, mas também as dificuldades e desafios próprios de emergência humanitária complexa”.
Talvez isso justifique porque os venezuelanos não se organizaram fortemente para ir às ruas como os cubanos. Mesmo assim, foram registrados 3.933 protestos, embora menores, no primeiro semestre deste ano, de acordo com OVCS – 23% a menos do que no mesmo período do ano passado.
É preciso que a comunidade internacional esteja atenta a essa negociação promovida por Juan Guaidó. Eleições livres e justas são o caminho para uma saída institucional para a Venezuela e, quiçá, o fim para a ditadura de Maduro.
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