No início de dezembro, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), havia dito que seria necessário explicar muito bem à sociedade a ideia de colocar R$ 3,8 bilhões do dinheiro do contribuinte no fundo eleitoral de 2020, para que os brasileiros “compreendessem” o fato de um dinheiro originalmente destinado a saúde, educação, infraestrutura e outras urgências nacionais estar sendo usado para bancar campanhas eleitorais. Mas não havia nenhuma explicação satisfatória possível e, diante da indignação popular e da ameaça de veto do presidente Jair Bolsonaro, o relator Domingos Neto (PSD-CE) desistiu da ideia e ficou com os R$ 2 bilhões que estavam na proposta orçamentária enviada pelo governo federal.
O valor acertado já representa um aumento em comparação com os recursos destinados para as campanhas de 2018, quando os partidos receberam R$ 1,7 bilhão. É de se perguntar: os parlamentares estavam realmente dispostos a entregar aos partidos uma quantia surreal e absurda para a eleição de 2020? Ou os R$ 3,8 bilhões eram apenas um “bode na sala” para que, no fim, viesse um valor ainda aceitável para os políticos e com o qual os brasileiros se conformassem, imaginando que poderia ter sido muito pior?
O país não aceitava os R$ 3,8 bilhões, mas tampouco está feliz com os R$ 2 bilhões destinados às campanhas eleitorais de 2020
Independentemente do real objetivo dos parlamentares, toda a repercussão do caso do fundão eleitoral mostrou que eles estão enganados ao imaginar que o brasileiro aceita pacificamente que bilhões do orçamento sejam usados para financiar campanhas eleitorais. A controvérsia em torno do novo valor do fundo serviu para que a sociedade percebesse o absurdo de bancar partidos políticos com o dinheiro do contribuinte, que muitas vezes discorda e até repudia as plataformas das legendas que receberão o seu dinheiro. O país não aceitava os R$ 3,8 bilhões, mas tampouco está feliz com o resultado final, que destinará pouco mais de metade disso aos partidos. Da mesma forma como ocorreu na discussão sobre o imposto sindical, durante a tramitação da reforma trabalhista de 2017, está mais que evidente que também os partidos políticos e candidatos deveriam ser sustentados apenas pelos seus filiados e pelas doações daqueles que compartilham de suas ideias.
Por isso, merece muita atenção a proposta de emenda à Constituição para a qual o deputado Paulo Eduardo Martins (PSC-PR) está recolhendo assinaturas. Ela extingue tanto o megafundo eleitoral quanto o Fundo Partidário, para estabelecer como regra o financiamento privado de campanha, por meio de doações de pessoas físicas e também jurídicas. Esta última modalidade foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2015; nas eleições de 2016, a primeira feita sob as novas regras, os partidos mostraram não estar acostumados a fazer campanhas baratas, levando o Congresso a criar o fundo eleitoral como forma de compensar a ausência do dinheiro das empresas, substituído pelo dinheiro do cidadão. Na PEC de Martins, a doação de pessoas jurídicas volta a ser permitida, com a ressalva de que as empresas que efetuarem doações ficarão proibidas de celebrar contratos com o poder público por quatro anos, na esfera de governo correspondente – por exemplo, uma empresa que contribui para a campanha de um candidato a governador não poderá assinar contratos com o governo estadual, ainda que o vencedor não tenha sido o candidato agraciado com a doação.
Mesmo com o fundo eleitoral reduzido aos R$ 2 bilhões previstos pelo governo, Bolsonaro continua falando em veto e citou os dois partidos que receberão as maiores fatias, o PT e o PSL. Este último é palco de uma disputa interna entre a ala fiel a Bolsonaro e parlamentares leais a Luciano Bivar, o que levou à criação da Aliança pelo Brasil, nova legenda que deve acomodar o bolsonarismo e que busca assinaturas para se viabilizar. Ao personalizar a questão, o presidente acaba rebaixando o debate. Afinal, não se trata de permitir que oponentes ideológicos e desafetos políticos recebam centenas de milhões de reais, mas de discutir a própria conveniência de bancar quaisquer partidos e campanhas – de aliados e de adversários – com dinheiro público.