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Editorial

Um grande erro e um pequeno acerto

Uma das maiores aberrações do ano de 2009 foram, sem dúvida, a aprovação e a entrada em vigor, na primeira quinzena de dezembro, da Emenda Cons­­titucional n.º 62/2009, fruto da chamada "PEC do Calote". A emenda que prevê novos e infindáveis parcelamentos para as dívidas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e, ainda, o leilão de créditos, sistemática pela qual passam a ter preferência de recebimento os credores que venham a conceder o maior deságio de seu crédito à Fazenda Pública.

Uma emenda constitucional que "institucionaliza" o calote e a irresponsabilidade por parte dos entes públicos. Uma emenda que, basicamente, adotou a seguinte lógica: "Não pago e, se pagar, o parcelamento será a perder de vista. Mas, se você me der um bom desconto, daí quem sabe você recebe". Ora, nada mais abominável, notadamente ao se constatar que a "proposta" foi patrocinada e incentivada justamente por parte de quem deveria dar o exemplo de moralidade e de respeito à Constituição Federal. Enfim, uma emenda indecente que, em um país como o Brasil, com graves problemas sociais, atenta claramente contra o princípio da dignidade humana, contra o instituto do direito adquirido e contra os princípios da legalidade, da igualdade, da moralidade e da segurança jurídica.

De nada adiantaram os alertas e as manifestações contrárias das mais sérias e respeitadas entidades deste país. O Congresso Nacional, mais uma vez, fez pouco caso da Cons­­tituição Federal. E a esperança agora se concentra no Supre­­mo Tribunal Federal (STF), a quem caberá dar a palavra final sobre o tema, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de n.º 4357, recentemente ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pela Asso­­ciação dos Magistrados Brasileiros (AMB), pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), pela Associação Nacional dos Servidores do Poder Judiciário (ANSJ), pela Confederação Nacional dos Servidores Públicos (CNSP) e pela Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT).

Apesar desse lamentável episódio, há também o que se comemorar neste mês de dezembro no âmbito das alterações legislativas. Isso porque, às vésperas do Natal, o presidente Lula sancionou a Lei n.º 12.153/2009, que prevê a criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, que terão competência para "processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos".

E, para a melhor compreensão acerca da importância da nova lei, cumpre destacar que a Lei n.º 9.099/1995 – que ins­­tituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais – não conferiu aos Juizados Especiais Cíveis a competência para causas de na­­tureza fiscal e de interesse da Fazenda Pública. E ante as ma­­zelas sociais e econômicas que afetam o Brasil, ante a precariedade da estrutura das defensorias públicas e ante a im­­possibilidade de arcarem com custas processuais e honorários advocatícios, milhares de cidadãos se encontram impedidos de defenderem os seus direitos em face dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Além disso, o trâmite processual no âmbito dos Juizados Especiais é muito mais simplificado e, ao menos em tese, muito mais célere do que o do procedimento comum. Daí a importância da Lei n.º 12.153/2009 e, então, dos Juizados Especiais da Fazenda Pública.

A lei entrará em vigor seis meses após a data da sua publicação, publicação essa que já ocorreu em 23 de dezembro. E, a contar de junho de 2010, os Juizados Especiais da Fa­­zen­­da Pública deverão ser implantados no prazo máximo de dois anos e os Tribunais de Justiça poderão limitar a sua competência por até 5 (cinco) anos, para a adequada organização dos serviços judiciários e administrativos.

Uma vez implantados tais Juizados, neles poderão ser autores as pessoas físicas, as microempresas e as empresas de pequeno porte; e réus, os estados, o Distrito Federal, os territórios e os municípios, além de autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas.

Mesmo assim, permanecerão excluídas da competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública as "ações de man­­dado de segurança, de desapropriação, de divisão e de­­marcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos"; "as causas sobre bens imóveis dos estados, Distrito Federal, territórios e municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas"; e "as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares".

De qualquer modo, trata-se de um avanço, haja vista que, uma vez implantados, os Juizados Especiais da Fazenda Pública certamente ampliarão e facilitarão o acesso à Justiça por parte de milhares de cidadãos, de microempresas e de empresas de pequeno porte de todo o país. Em razão disso, ficam aqui os votos para que o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná implante os referidos Juizados muito antes do término do prazo de dois anos conferido pela lei e, ainda, os votos para que o Tribunal não faça uso da prerrogativa de limitação de competência que também lhe foi atribuída pela Lei n.º 12.153/2009.

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