A invasão russa à Ucrânia completou um mês nesta quinta-feira (24), trazendo ao mundo mais incertezas do que desfechos. A possibilidade de um conflito breve parece ter ficado para trás e isso não é nada tranquilizador para nenhum dos envolvidos, pois todos sabem que a situação atual é insustentável. O leque de possibilidades de mudanças na guerra para os próximos dias ou semanas traz opções sombrias e uma questão latente que vai nos angustiar até que tudo termine: o Ocidente fez mesmo tudo o que podia para parar o agressor?
Essa é uma questão necessária quando se observa que as sanções impostas até aqui contra a Rússia, embora duras, pouparam em muito o setor de hidrocarbonetos, que é o coração econômico daquele país. Por óbvio, isso se deve à dependência energética que principalmente os países europeus desenvolveram em relação ao gigante do Leste nas últimas décadas.
A hesitação inicial ficou evidente com as notícias de que a Alemanha, por exemplo, decidiu só agora substituir seu fornecedor de gás, cerca de trinta dias depois da agressão à soberania de um país vizinho. O governo de Olaf Scholz anunciou ter fechado um acordo com o governo dos Estados Unidos para um aumento expressivo na importação do gás liquefeito norte-americano. Na ocasião, o governo alemão disse que as importações de petróleo da Rússia agora representam 25% do total comprado pelo país, uma queda em relação aos 35% de antes da invasão da Ucrânia. Já os volumes de importação de gás caíram de 55% para 40% e as de carvão de 50% para 25%.
Se por um lado esses números revelam reação, por outro, a forma gradativa como a diminuição da dependência ocorre expõe uma verdade dolorosa: a invasão russa à Ucrânia ainda é financiada com dinheiro europeu. As sanções não isolaram completamente o Kremlin de suas fontes de recursos estrangeiros, pois países europeus continuam comprando petróleo e gás russo, mesmo aqueles que estão sancionando autoridades russas em outras áreas econômicas. É impossível não cogitar que seja justamente esse o ponto que torna as medidas aplicadas até agora insuficientes para forçar um recuo de Putin.
Não se pretende com essa constatação subestimar as complexidades envolvidas na substituição de fornecedores internacionais de energia, mas sim jogar luz no fato de que, pelo que as informações atuais indicam, o disparo dos primeiros mísseis russos contra solo ucraniano, quando a violação da soberania se concretizou, não foi visto como suficiente para que os líderes europeus fizessem lá atrás o que estão fazendo agora, ou seja, interromper o comércio com a Rússia naquilo que seria realmente capaz de fazê-los parar. Apesar dos mortos e da crise humanitária, houve espera.
Essa demora, que já tem consequências, expõe que apesar da solidariedade expressada ao povo ucraniano, ainda há hesitação por parte do Ocidente em fazer sacrifícios que afetem suas próprias nações. Os governantes europeus parecem saber que há opções de dissuasão que não foram utilizadas até agora e que têm potencial para encerrar a guerra, mas se para isso for necessário aumentar dívidas comprando petróleo mais caro, correr o risco de passar por racionamento energético ou tomar medidas que coloquem em risco sua popularidade, então, o ímpeto solidário arrefece.
As sanções não isolaram completamente o Kremlin de suas fontes de recursos estrangeiros, pois países europeus continuam comprando petróleo e gás russo, mesmo aqueles que estão sancionando autoridades russas em outras áreas econômicas
Dada a comoção global que o sofrimento dos ucranianos despertou, com manifestações pelo fim do conflito em todos os continentes, convém refletir se tais autoridades não estariam discernindo equivocadamente, chamando de prudência o que pode ser tibieza. Se especialmente os vizinhos da Ucrânia envolvessem a sociedade num debate franco e amplo sobre o futuro do continente, a necessidade de resgatar a paz com rapidez e o quanto isso exigiria um momento de sacrifício, será mesmo que seriam rechaçados por seus cidadãos? Lembrando que estes assistem dia após dia a tragédia da guerra consumir com a vida de quem mora no país ao lado, além de conviverem com a ameaça permanente de que todo aquele horror pode, em algum momento, atravessar a fronteira.
Um movimento de tal ordem seria extraordinário, mas não pode demorar. Embora muitos analistas vejam com bons olhos o modo como os líderes ocidentais se uniram contra a Rússia agressora, a história prova que conflitos prolongados são terreno fértil para transformar convergências em fissuras, até porque as sanções também afetam quem sanciona, motivo a mais para celeridade na adoção de estratégias mais drásticas e efetivas.
Se o Ocidente esperar demais, corremos o risco de descobrir até onde Vladimir Putin pode chegar, caso a impaciência o motive a fazer algo ainda mais chocante do que a invasão em si. Estamos falando de um homem sem a menor disposição para admitir derrota, que tem 6 mil ogivas nucleares à sua disposição, um provável arsenal de armas químicas e biológicas, além do comprovado desprezo por tratados internacionais. Um golpe econômico realmente determinante, focado no setor vital do agressor, pode ser o que falta para a costura de um acordo que impeça a chegada de dias ainda piores.
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