As relações econômicas do país com o resto do mundo são representadas por uma peça da contabilidade nacional chamada “balanço de pagamentos”, que inclui três grupos de contas: a balança comercial, que registra as exportações e importações de bens tangíveis; a balança de serviços, que registra as entradas e saídas de dinheiro em moeda estrangeira nas contas de turismo, transportes, seguros, juros, dividendos, transferências pessoais unilaterais etc.; e a balança de capitais, que contabiliza entradas e saídas a título de investimento estrangeiro direto (construção de empresas), empréstimos tomados no exterior, pagamentos desses empréstimos, aplicações financeiras etc.
A balança comercial é revestida de especial importância porque, ao tratar das mercadorias tangíveis exportadas e importadas, ela reflete a capacidade do país em produzir excedentes exportáveis e, também, sua autonomia no suprimento interno dos bens de que a nação necessita como insumos para seu sistema produtivo, para o consumo das pessoas e para o consumo do governo. O lado das importações, conforme a pauta de produtos que o país compra do resto do mundo, mostra seu grau de dependência e vulnerabilidade. No segundo governo Getúlio Vargas, no início dos anos 1950, a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos fez estudos alarmantes sobre o grau de dependência do Brasil em relação a suprimentos internacionais. Sem importações vitais, inclusive de petróleo, a economia brasileira literalmente pararia.
Esperar que o agronegócio e as commodities primárias bastem para aumentar a renda por habitante e retirar o país da pobreza é incorrer num erro que vem desde o fim da Segunda Guerra Mundial
O mais incompreensível é que os nacionalistas brasileiros, sobretudo aqueles abrigados nos partidos políticos ou em cargos públicos, eram contra o capital estrangeiro e contra a abertura à entrada de empresas multinacionais que quisessem se instalar por aqui, defendendo o fechamento da economia. Em suma, eram contra a entrada do capital estrangeiro em forma de investimento direto de risco (instalação de empresas), mas não se perturbavam com a grave dependência do país em relação às importações e à necessidade de empréstimos tomados de bancos estrangeiros a fim de obter os dólares necessários ao pagamento das compras feitas no exterior.
Essa atitude insana e perigosa colocava o Brasil dependente do abastecimento de produtos vindos do exterior e revelou seu grau de nacionalismo às avessas quando da criação da Petrobras, em 1953, e junto com ela a aprovação do monopólio estatal do petróleo. Vale lembrar que Vargas enviou um projeto ao Congresso Nacional propondo a criação de uma empresa estatal de petróleo, mas sem o monopólio. O Congresso aprovou a criação da Petrobras, que iniciaria suas atividades em 1954, e acrescentou a aprovação do monopólio estatal, impedindo assim que nenhuma empresa privada brasileira ou estrangeira pudesse se instalar nesse setor. Ou seja, a lei consolidou a dependência nacional em relação ao petróleo importado, o que se revelou um grave equívoco: 20 anos depois, na crise mundial do petróleo de 1974, a Petrobras produzia menos de um quarto de todo o petróleo que o Brasil consumia.
Os especialistas em economia internacional dizem que ao comércio entre as nações seguem-se os investimentos, e aos investimentos sugue-se a transferência de tecnologia. A enorme dependência brasileira de suprimentos externos e a vulnerabilidade que isso impunha à sociedade, sem que a maioria não se desse conta, ocorriam pela falta de poupança interna para investimento, ausência de uma classe de grandes empresários, rejeição à empresa multinacional e, principalmente, à pobreza tecnológica seguida da não absorção da tecnologia inventada no resto do mundo. As consequências sobre a economia e sobre a pobreza brasileira estão presentes até hoje, haja vista o baixo grau de conhecimento tecnológico incorporado ao sistema produtivo nacional e o fato de que o setor mais relevante para a geração de divisas em moeda estrangeira é o agronegócio, que, embora importante, tem uma pauta de exportação de produtos primários e alguns de industrialização incipiente, de valor agregado não muito alto.
O agronegócio brasileiro é um dos setores que mais evoluíram em termos de tecnologia e produtividade, tanto que está, ano após ano, ajudando o país a formar receitas de exportações. E, no atual momento, mesmo com a grave pandemia, o agronegócio dará relevante contribuição à balança comercial. A alta de preços internacionais de produtos como soja e minério de ferro pode dar ao Brasil um saldo positivo de US$ 73 bilhões na balança comercial em 2021, superando o recorde de US$ 56 bilhões, no ano de 2017. Como tem sido rotina nos últimos tempos, a subida dos preços internacionais tem entre suas causas o aumento na demanda da China e a recuperação da economia dos Estados Unidos.
O momento é bom para o Brasil, mas novamente o país acaba dependente de uma onda positiva no comércio internacional de produtos primários. O agronegócio e as commodities primárias devem merecer atenção e valorização pelas autoridades e pela sociedade, mas é um erro o país ficar eternamente dependente desses setores, continuar com uma medíocre pauta de comércio exterior em produtos de alto valor agregado e, principalmente, ser inexpressivo em produtos feitos com tecnologia de ponta. Esperar que o agronegócio e as commodities primárias bastem para aumentar a renda por habitante e retirar o país da pobreza é incorrer num erro que vem desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A boa onda atual, pelos bons resultados que dará, pode fazer o país relaxar sobre um sucesso setorial que, embora bom, é insuficiente para colocar o Brasil do clube das nações desenvolvidas. O país precisa de uma agenda econômica mais ousada para as próximas duas décadas.
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