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A escolha dos vencedores do Prêmio Nobel da Paz, anunciados na sexta-feira passada, não podia ser mais feliz. Uma mulher de 17 anos e um homem de 60; uma paquistanesa e um indiano; uma muçulmana e um hindu. O que Malala Yousafzai e Kailash Satyarthi têm em comum é a luta para que as crianças tenham direito à educação. Satyarthi criou e mantém uma ONG que luta contra o trabalho infantil. Malala é a adolescente baleada no rosto em 2012 por militantes do Taleban, tudo porque ela queria ir à escola e desejava que outras meninas da região onde morava tivessem a mesma oportunidade. Isso fazia dela um "símbolo da cultura ocidental", segundo aqueles que a atacaram – e, enquanto ela lutava pela vida em hospitais, primeiro no Paquistão, depois na Inglaterra, eles prometiam matá-la caso ela sobrevivesse ao primeiro atentado.

O prêmio concedido a Malala e a Satyarthi nos recorda da situação de milhões de crianças que ainda não têm acesso à educação, um componente fundamental para lhes garantir perspectiva de futuro em uma sociedade cada vez mais dependente da tecnologia e da informação. Vivendo em grandes cidades com acesso fácil à educação pública ou privada, é fácil esquecer que, segundo as estimativas mais recentes da Unesco, quase 58 milhões de crianças com idade para o ensino fundamental estão fora da escola em todo o mundo. Outros 63 milhões de adolescentes com idade para o início do ensino médio também estão longe das aulas. São crianças e jovens muitas vezes forçados a trabalhar, como os 80 mil libertados por Satyarthi, ou que simplesmente não têm acesso a escolas próximas, ou que acabam tendo seu direito ao ensino barrado por preconceitos sociais, especialmente no caso de meninas como Malala. E o prêmio concedido à paquistanesa ainda nos traz outras lições que vão além da importância da educação para crianças e adolescentes.

Nestes tempos em que o Estado Islâmico pratica diversas atrocidades contra quem não compartilha de sua visão jihadista, o Nobel de Malala também chama a atenção para os males do extremismo religioso. A adolescente, ao manter a fé muçulmana, mostra saber diferenciar a religião em si de manifestações fundamentalistas. "O Islã diz que receber educação não é apenas um direito de cada criança, mas também seu dever e responsabilidade", disse a jovem no discurso que fez à ONU. Maomé, o fundador do Islamismo, encorajava os discípulos a buscar o conhecimento "nem que fosse na China", uma metáfora para um local distante; Malala, ao colocar a vida em risco para conseguir educação, foi mais longe que qualquer um. Que mais e mais pessoas saibam identificar os males do extremismo e condená-lo.

Por mais que os responsáveis pelo Nobel tenham enfatizado a luta de Malala e Satyarthi pela educação das crianças, é impossível não lembrar que Malala também nos mostra que em diversas partes do mundo as mulheres têm negados vários direitos e são vítimas de inúmeras violências. Basta recordar os casos de estupros coletivos na Índia, de mutilações genitais na África, das meninas mortas no ventre das mães graças ao aborto seletivo promovido em vários países. Algumas dessas práticas chegam até a ser toleradas, quando não justificadas, por um multiculturalismo torto, que coloca costumes locais acima da dignidade humana. Mesmo no Brasil, só recentemente se começou a romper o silêncio a respeito da violência doméstica.

Que a mensagem poderosa enviada por meio da premiação de Satyarthi e Malala possa nos acordar não só para o drama das crianças sem escola, mas também para o sofrimento das vítimas do extremismo religioso e da violência contra as mulheres. São três pragas interconectadas, pois o fundamentalismo e o preconceito se alimentam justamente da ignorância.

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