De tanto ser batida, repetida, a tese que a recuperação econômica brasileira depende de um amplo plano de investimentos está consolidada, não há dúvida econômica e política a respeito, e nunca é demais insistir nela. Alguns aspectos da realidade nacional precisam ser lembrados. Primeiro, os investimentos devem ser dividido em três partes: infraestrutura física (rodovias, ferrovias, energia, gás, portos, aeroportos, comunicações, sistemas de água e esgoto), infraestrutura empresarial (armazéns, máquinas, equipamentos, prédios industriais e comerciais, sistemas tecnológicos, veículos) e infraestrutura social (hospitais, postos de saúde, escolas, instituições sociais).
Essa divisão é necessária no mínimo porque a infraestrutura física ainda é basicamente estatal, a infraestrutura empresarial é essencialmente privada e a infraestrutura social é um misto de organizações estatais, organizações privadas e instituições não governamentais. Apesar dessa configuração, todas dependem de um ambiente institucional favorável aos investimentos e um corpo de leis e regulamentos capazes de estimular o investidor privado nacional e os investidores estrangeiros. O Brasil tem duas deformidades graves, prejudiciais ao crescimento econômico e que, apesar disso, não causam indignação explícita na sociedade e nos políticos, talvez sendo esta a razão pela qual há décadas fala-se em solucioná-las e nunca são.
A primeira mazela causadora de atraso é o conjunto de amarras e a falta de regulamentação clara e eficiente relativa aos setores e subsetores da infraestrutura. Há algumas semanas, o Congresso Nacional deu um passo importante aprovando o marco legal do saneamento básico, o qual tem condições de provocar um choque de eficiência na gestão das empresas estatais de saneamento, que respondem pelo atendimento de água e esgoto em mais de 90% dos 5.570 municípios, e deve atrair investimentos privados no setor. Vale lembrar que mais de 40% da população brasileira não dispõe de rede de esgoto tratado, coisa que os países desenvolvidos resolveram há muitas décadas. Apesar da importância do regulamento aprovado, ele se limita a um único subsetor: o de saneamento básico.
A segunda mazela, até certo ponto inexplicável e que, entra governo e sai governo, nunca é atacada definitivamente, refere-se à praga das obras paralisadas. Além de investir muito pouco em infraestrutura, mesmo nos setores estatizados, parte substancial dos investimentos se perde em obras paralisadas, inservíveis para uso e verdadeiros sorvedouros de dinheiro público desperdiçado. Aí está uma prática nociva e causadora de pobreza sobre a qual os sociólogos e cientistas políticos deveriam pesquisar e publicar, seja pelo atraso que produz ou pelo traço nocivo da gestão pública brasileira. Segundo o governo federal, no fim do primeiro semestre deste ano existiam catalogadas 6 mil obras federais interrompidas ou adiadas. No total do setor estatal, incluindo estados e municípios, já passa de 11 mil obras paralisadas.
É impensável, e deveria ser motivo de indignação e manifestação social, que um país pobre e tão carente de crescimento se dê o luxo absurdo de manter esse estado de coisas, numa demonstração que o setor estatal anula parte dos resultados obtidos nos bons programas governamentais, pela via de ineficiências, desperdícios e corrupção. Vale mencionar o esforço do ministro da Economia, Paulo Guedes, para conseguir melhorar o atual estágio da legislação sobre investimentos. "Após a aprovação do saneamento no fim de junho, o governo espera que o Congresso vote uma série de marcos legais entre os próximos 60 a 90 dias. O objetivo é que os novos marcos regulatórios destravem investimentos privados da ordem de bilhões de reais nos próximos anos. A aprovação dos textos faz parte da agenda de recuperação da economia no pós-coronavírus”, são palavras ditas pelo ministro recentemente.
Paulo Guedes informou que o objetivo do governo é aprovar, nos próximos três meses, os marcos regulatórios sobre: o gás natural (abrir o setor, pouco explorado e dominado pela Petrobras, para investimentos da iniciativa privada; o setor elétrico (abrir o mercado livre de energia a todos os consumidores e reduzir subsídios cruzados); navegação de cabotagem (criar novas regras para investimentos nas rotas marítimas e ampliar a concorrência no transporte de cargas pela costa marítima brasileira); o setor de petróleo (ampliar as concessões para exploração nas áreas do pré-sal e eliminar o direito de preferência dado à Petrobras). A razão de aprovar esses marcos regulatórios parte de uma ideia central e simples: atrair investimento privado nacional e investimentos de empresas e fundos estrangeiros como meio de ampliar o chamado “capital físico” do país, que é a soma das três infraestruturas já referidas.
Os atos e os procedimentos legais necessários para atualizar e modernizar os marcos regulatórios relativos aos setores mencionados vêm sendo objeto de negociações entre o governo, capitaneado pelo Ministro Paulo Guedes, e o Congresso Nacional. Espera-se que os líderes do parlamento nacional entendam a urgência de debater e votar as propostas, pois o Brasil está atrasado em décadas quanto à necessidade de legislação capaz de modernizar o corpo de leis vigentes, sobretudo para dar mais segurança jurídica a investimentos de longo prazo, estimular a disposição de investidores privados e eliminar de vez o ranço de monopólios estatais. É isso ou é prosseguir na letargia, atraso e pobreza.