Segundo dados do levantamento Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), feito no ano passado, há no Brasil mais de 100 milhões de processos em tramitação no Poder Judiciário. Em 2021 foram concluídos mais de 26 milhões de processos; no entanto, perto de 29 milhões de ações novas ingressaram no sistema e, segundo o mesmo estudo, cada juiz em atividade acumula em torno de 6 mil processos sob sua responsabilidade. Estima-se que o governo em geral (municípios, estados e União) participa como autor ou réu em 80% dos processos em andamento. Comparando com o padrão dos países desenvolvidos, o Brasil apresenta vários aspectos negativos: o número de processos é excessivo, o tempo médio de tramitação é muito alto, a Justiça brasileira custa muito caro à nação como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) e o grau de satisfação da sociedade com o sistema judicial em geral é bastante baixo.
Um dos enigmas sociais brasileiros eternamente presentes nas análises e debates é o subdesenvolvimento e a pobreza que acometem o país, mesmo tendo riqueza de recursos naturais e dispondo de condições favoráveis ao progresso. Isto é, o atraso brasileiro e a condição de nação subdesenvolvida, com ampla faixa de sua população em pobreza e miséria, não são explicáveis por deficiências naturais. Assim, resta tentar encontrar as causas do atraso nas características políticas, institucionais, jurídicas e culturais; lembrando que, mesmo que seja possível relacionar as causas principais do atraso brasileiro com algum grau de acerto, nada indica que a entrada no caminho do progresso terá chance em futuro próximo. Dizendo de outra forma, conquanto o país apresente melhorias em vários setores da vida nacional, nada indica que a miséria será eliminada, que a pobreza será reduzida e que o país alcançará nível de renda por habitante similar ao dos países desenvolvidos.
A judicialização em excesso da vida nacional, somada à lista de causas do atraso econômico, mais a cultura antiliberal e anticapitalista produzem um arcabouço de freios e travas muito maiores que a mera soma do poder maléfico de cada deficiência isolada
Na lista de causas do atraso, algumas sempre aparecem, a exemplo de: baixo nível de liberdade econômica; baixa classificação nos rankings internacionais sobre ambiente favorável aos negócios; instituições públicas de baixa qualidade; quantidade excessiva de leis; sistema federativo disfuncional, caro e burocrático; leis confusas e instáveis; carga tributária complexa, elevada e cheia de contradições; excessivo peso do sistema estatal sobre o sistema produtivo; governo inchado, ineficiente e com muita corrupção. Além dessas travas aos negócios e ao crescimento, a sociedade brasileira tem pouco apreço pelo capitalismo e apresenta certo grau de cultura antiempresarial.
O empresário e a empresa privada não gozam do melhor apreço entre políticos, intelectuais, professores, estudantes e parte de outros segmentos da sociedade. A cultura brasileira é inclinada a apreciar mais o Estado que as instituições privadas, como visto na condescendência e tolerância com a ineficiência e a corrupção nas instituições estatais, enquanto, de outro lado, quando uma ou outra empresa comete fraudes ou outra irregularidade – como ocorreu recentemente com duas grandes empresas controladas por empresários famosos –, logo surgem falas e escritos de políticos, intelectuais e jornalistas louvando a empresa estatal e, inclusive, propondo que sejam interrompidas as privatizações.
A cultura de pouco apreço ao capitalismo, à empresa e ao empresário privado existe em praticamente todos os países latino-americanos, mesmo o mundo tendo dado provas de que o único caminho para superar a pobreza e a miséria é pelo empreendedorismo, pela criação de empresas, aumento dos negócios e estímulo à iniciativa individual. O próprio Estado só existe em função da parte da renda nacional que retira da sociedade por meio de tributos; logo, quanto mais empresas e maior a produção nacional, maior é a arrecadação tributária e, por consequência, mais serviços públicos podem ser realizados.
Em havendo milhões de pessoas jurídicas privadas, sempre haverá empresários e empresas agindo fora da lei e fora da moral. Entretanto, usar algumas fraudes bilionárias, praticadas por empresários inescrupulosos, para demonizar a empresa privada e afirmar que essa é a lógica dos grupos privados seria o mesmo que, tendo em vista o grande número de políticos e burocratas corruptos e suas fraudes bilionárias, demonizar todo o setor estatal e dizer que todos os governos e todas as estruturas burocráticas são corruptos. O fato é que, entre as causas do atraso brasileiro, estão as estruturas deficientes em organização política, econômica e jurídica, de um lado, e elevado grau de crimes e fraudes morais, de outro lado.
Uma deficiência sozinha tem certas consequências; porém, quando combinada com outras deficiências, juntas elas têm seus efeitos potencializados, de maneira que a judicialização em excesso da vida nacional, somada à lista de causas do atraso econômico, mais a cultura antiliberal e anticapitalista produzem um arcabouço de freios e travas muito maiores que a mera soma do poder maléfico de cada deficiência isolada. Há amplos estudos mostrando que este país de território continental e abundância de recursos construiu um elenco tão grande de inibidores do crescimento econômico e do desenvolvimento social que, mesmo com eventuais melhorias pontuais, a sonhada meta de ter renda por habitante em 2030 equivalente ao dobro do que era em 2000 simplesmente não será atingida. Se nada for feito diante de tantas deficiências, o Brasil pode consolidar-se no padrão em que está hoje ou, no máximo, apenas um pouco melhor, porém longe de obter o grau de “desenvolvido”. Esse debate precisa ser feito, sob pena de muito pouco ou nada mudar para melhor.