Não existe fórmula pronta para uma boa educação. Aqui e ali, métodos, grades curriculares, disciplinas, modelos de gestão, velocidade e eficácia do ensino podem variar. Pode-se discutir quais os padrões e modelos que devem servir de referência geral para este ou aquele desafio, mas não dá para dizer que existe um único ou o melhor de todos os modos de educar uma pessoa. Por causa disso, a descentralização e a riqueza interna de variedades têm sido pilares de muitos sistemas educacionais do mundo, que deixam grande liberdade para as próprias escolas definirem na ponta a organização de seus currículos e os métodos pedagógicos a serem empregados.
No Brasil, propostas recentes de mudança no ensino têm tentado abrir o nosso sistema para essa variedade positiva. A chamada Reforma do Ensino Médio, por exemplo, estabeleceu a possibilidade de que escolas adotem vocações distintas para determinados tipos de estudante, bem mais alinhadas com os desafios do mercado de trabalho e com as aptidões de cada indivíduo. As diretrizes da nova política nacional de alfabetização também seguem os mesmos princípios, procurando fundamentar cientificamente o uso de métodos pedagógicos, para promover aqueles que demonstrem melhores resultados do ponto de vista prático.
Infelizmente, a tendência contrária, de engessamento e centralização, ainda domina a concepção de muitos políticos, gestores, ideólogos e mesmo educadores brasileiros. Na sua expressão mais recente, o afã de controle se traduziu na proposta do Sistema Nacional de Educação, aprovado pelo Senado no último dia 11, que deve seguir para a Câmara dos Deputados. O texto aprovado por unanimidade foi o substitutivo de Dário Berger (MDB-SC) ao projeto de Flávio Arns (Podemos-PR). O Projeto de Lei Complementar (PLP) 235/2019, apelidado de "SUS da educação", deve sofrer acréscimos na Câmara, que já discute proposta análoga, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 25/19, aprovado em dezembro pela Comissão de Educação da Casa.
O PLP tem sido apresentado como uma panaceia para a solução de problemas que se arrastam há décadas no ensino do país, mas parece repetir o mesmo erro de velhas soluções, combinando centralização, burocratização e desprezo pela iniciativa privada. A proposta cria uma estrutura nacional de decisões que, na prática, retira do Ministério da Educação (MEC) a função de induzir políticas de qualidade, mas também impede que prefeitos, governadores e a própria União procurem métodos inovadores de ensino. Isso seria operacionalizado por uma Comissão Tripartite formada por 15 membros titulares, divididos entre representantes da União, estados e municípios, com o MEC ocupando uma posição minoritária.
Com a aprovação do projeto no atual formato, o potencial de iniciativas locais em implementar mudanças que podem servir de case para outros municípios terminaria abafado pela voz de órgãos de atuação estritamente política. A efetividade dos sistemas escolares locais não é tomada em consideração, assim como a definição de objetivos claros em termos de aprendizagem que considerem as particularidades de cada instituição. A voz das famílias, que deveriam ser agente ativo para discussões na ponta, em contato direto com as escolas, tampouco tem sido levada em consideração. Da mesma forma, o MEC torna-se mero coadjuvante no processo de tomada de decisão.
Nesse modelo do tipo “one size fits all” (um tamanho serve para tudo), mesmo os poucos exemplos de mudança efetiva que tivemos no país nos últimos anos estariam submetidos à decisão de instâncias superiores. É o caso, por exemplo, da rede pública de ensino de Sobral (CE), que foi de uma das piores do país em 2007 para o topo do ranking em 2017 segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Isso só foi possível pela iniciativa de resolver problemas de gestão da ponta, com a incorporação de mecanismos típicos de empresas privadas, definição e acompanhamento de indicadores claros de qualidade, sistemas de monitoramento e avaliação do ensino etc. O problema é que o foco de um sistema de ensino local não necessariamente deve ser o mesmo de outro. Há municípios cujas escolas possuem problemas particulares de ordem e disciplina, com incidência forte de atuação de organizações criminosas e uso de drogas entre estudantes. Há outros que carecem de formação específica para profissionais responsáveis pela alfabetização de crianças, prejudicando o desempenho da rede de uma ponta a outra. Há sistemas em que o salário de professores é um problema significativo e outros que podem encontrar soluções para melhorar o desempenho profissional na instauração de bonificações por resultado. Em um país diverso como o Brasil, nem mesmo o aumento da quantidade de dinheiro gasto para a educação deve ser visto como um consenso, já que o Brasil gasta mais que muitos países em melhor situação nos testes internacionais.
O PLP tem sido apresentado como uma panaceia para a solução de problemas que se arrastam há décadas no ensino do país, mas parece repetir o mesmo erro de velhas soluções, combinando centralização, burocratização e desprezo pela iniciativa privada
Um sistema nacional de educação deveria contemplar a necessária descentralização, com mais liberdade de iniciativa para entes públicos e privados. Isso significa possibilitar mais flexibilidade para gestores na ponta, que são aqueles que estão mais próximos dos alunos e de suas famílias. A iniciativa privada e a sociedade civil precisam se tornar parcerias efetivas nesse processo, que pode incluir até alternativas baseadas em vouchers ou escolas “charter”. Os parâmetros de referência para mudanças precisam se assentar em indicadores claros, mecanismos de gestão que facilitem seu acompanhamento e auxílio técnico de órgãos competentes para facilitar a sua operacionalização. Da mesma forma, deve haver abertura para a inovação em termos dos conteúdos e habilidades necessários a uma nova formação, principalmente considerando a velocidade do avanço tecnológico em nossa sociedade. Educar é apostar na confiança e na capacidade que mais pessoas com a pele em jogo têm para resolver seus próprios problemas. O PLP ora em discussão na Câmara parece ir na direção contrária, desconfiando de tudo e de todos, deixando para comitês de burocratas iluminados a possibilidade de decidir sobre o destino de toda uma nação.