Procurar um brasileiro completamente satisfeito com a atuação do Supremo Tribunal Federal é tarefa ingrata nos dias que correm. As decisões elogiáveis – como aquelas envolvendo os recursos do ex-presidente e atual presidiário Lula – parecem vir a fórceps, com diferenças mínimas e tensão permanente, enquanto uma série de resultados lamentáveis nos mais diversos campos, como a anulação de julgamentos da Lava Jato, a equiparação da homofobia ao racismo, a aprovação do aborto de anencéfalos ou a exigência de aval do Legislativo para privatizações, têm placares mais elásticos. Mas a indignação popular, ao se dirigir contra a instituição como um todo – em alguns casos, de forma exaltada e antidemocrática, é preciso dizer –, ignora que a suprema corte brasileira está longe de ser um bloco monolítico, com alguns poucos mocinhos e muitos vilões.
Há dois grandes blocos temáticos de julgamentos do STF que têm atraído mais atenção da população nos últimos anos: as decisões ligadas ao combate à corrupção e aquelas que tratam de temas morais ou de comportamento. E, ao analisarmos os votos em cada um desses julgamentos, o resultado é capaz de dar um nó em quem adota visões demasiadamente simplistas. Um caso emblemático é o do ministro Ricardo Lewandowski, que atraiu os holofotes pela primeira vez quando era revisor do processo do mensalão, pedindo penas menores ou absolvição aos réus que Joaquim Barbosa, o relator, queria ver na cadeia. A postura leniente do ministro quando tem de julgar acusados de corrupção tem se mantido ao longo dos anos, e mais recentemente ele também mostrou uma veia estatizante ao colocar obstáculos a privatizações, mas seus votos na esfera moral têm sido elogiáveis: o ministro foi contrário à equiparação da homofobia ao racismo e à permissão para o aborto de anencéfalos; em 2008, votou pela autorização de pesquisas com células-tronco embrionárias desde que não houvesse destruição de embriões; e, em julgamento ainda não concluído, foi contrário ao reconhecimento de uniões estáveis simultâneas – o que corresponderia a uma legalização implícita da bigamia no país.
Os futuros ministros do Supremo precisam ter o “pacote completo”: firmeza contra a corrupção, respeito à vida e à família e uma visão que rejeite o estatismo
Em outro extremo do espectro, há ministros bastante duros com os corruptos, como Edson Fachin (relator dos processos da Lava Jato na corte), Luís Roberto Barroso e Celso de Mello – este último, a despeito de uma postura garantista quanto aos direitos dos réus, adota posições firmes e não economiza palavras diante de escândalos cujas provas são evidentes, como fez no mensalão. As posições do trio em temas morais, no entanto, são decepcionantes, quando não claramente atentatórias contra a dignidade humana. Na vanguarda deste movimento está Barroso, defensor explícito do ativismo judicial em assuntos de vida e família, a ponto de sequestrar um julgamento de um habeas corpus para declarar inconstitucionais os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto – tendo sido seguido, naquela ocasião, por Fachin. Mais recentemente, ambos também votaram a favor das uniões estáveis concomitantes. Celso de Mello, que já tinha sido favorável ao aborto de anencéfalos, foi o relator de um dos processos que buscavam a equiparação da homofobia ao racismo e mostrou ter comprado sem pestanejar o pacote completo dos ideólogos de gênero, citando Judith Butler em seu voto.
Há, inclusive, um caso de ministro que, dentro de um mesmo tema, o combate à corrupção, tem demonstrado mudança radical de postura. Gilmar Mendes, durante o julgamento do mensalão, costumava seguir os votos de Joaquim Barbosa; em 2016, foi ele quem suspendeu liminarmente a nomeação e a posse de Lula como ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff; naquele mesmo ano, ajudou a formar maioria em favor da possibilidade de início da execução da pena após a condenação na segunda instância. Mais recentemente, no entanto, parece ter mudado do vinho para a água, com seus inúmeros habeas corpus concedidos, os ataques constantes à Lava Jato e a mudança de convicção a respeito da prisão após a condenação por colegiados de segunda instância, que pode reverter o entendimento adotado pela corte três anos atrás.
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Os cinco ministros citados são os casos que mais chamam a atenção, mas o leitor pode escolher qualquer um dos outros seis membros da corte e, ao escrutinar seus posicionamentos em julgamentos cruciais para o país, certamente encontrará votos com os quais concorda e dos quais discorda. O grande nó, que deixa tantos brasileiros revoltados com a corte, é o fato de tanto a leniência com os corruptos quanto o desprezo pela vida e pela família terem se tornado majoritários no Supremo, mudando apenas os nomes que formam o bloco vencedor em cada situação. Como reverter essa tendência?
Aqui, é fundamental o papel do presidente da República, responsável por nomear os candidatos ao STF, que por sua vez precisam ser aprovados pelo Senado. A Suprema Corte americana pode apontar um caminho, já que, desde o início do mandato de Donald Trump, foram nomeados dois justices (como são chamados os membros daquele tribunal) mais alinhados com o pensamento conservador: Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh deverão ajudar a formar uma maioria consistente que tomará decisões em defesa da vida e da família.
A Suprema Corte americana, é verdade, não tem diante de si a variedade de casos que o nosso STF enfrenta; os justices não analisam ações penais, por exemplo, dedicando-se mais a questões de fundo, de natureza constitucional. Os futuros ministros do Supremo brasileiro precisam ir além disso, tendo o “pacote completo”: firmeza contra a corrupção, respeito à vida e à família, uma visão que rejeite o estatismo, priorizando o protagonismo do indivíduo, da sociedade civil e do setor privado. Encontrar os nomes que cumpram esses requisitos é uma das principais tarefas de Jair Bolsonaro – que escolherá dois ministros do Supremo até 2022 – e daqueles que o sucederem. Só assim nossa corte suprema começará a trabalhar de forma consistente pelo bem comum.
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