Quase seis em cada dez brasileiros gostariam que houvesse uma “terceira via” capaz de romper a polarização política entre petismo e bolsonarismo, de acordo com pesquisa do instituto Ipec publicada no último fim de semana. O levantamento, realizado no início de março, encontrou 39% de entrevistados que manifestaram totalmente o desejo de uma terceira via nas eleições, com outros 18% concordando em parte. Outros 27% não viram a necessidade da terceira via. Os resultados da pesquisa deixam claro que existe uma oportunidade para o centro político, mas também impõem uma série de perguntas.
Afinal, havia “terceira via” no pleito presidencial de 2022, e os 39% que apareceram na pesquisa Ipec teriam bastado tranquilamente para levar seu representante ao segundo turno. Por que isso não aconteceu? Há várias razões para isso, que passam pela fragmentação das forças mais ao centro, divididas naquela eleição entre Ciro Gomes, Eymael, Simone Tebet, Soraya Thronicke e Luiz Felipe d’Avila; pelo fato de nenhum desses candidatos ter o mesmo carisma de Lula e Bolsonaro; e pelo fenômeno do “voto útil”, que via no candidato de um dos polos a escolha mais certeira para quem via como prioridade a derrota do outro extremo. O desempenho de Lula e Bolsonaro em 2022 foi inflado com votos de eleitores que, mesmo apresentando reservas quanto ao seu escolhido, consideravam a vitória do oponente um mal muito maior, a ser evitado a todo custo – Lula só venceu porque conseguiu aglutinar mais forças a seu redor, aproveitando-se da aversão de boa parte da opinião pública a Bolsonaro e criando a tal “frente ampla” que muitos, baseados mais no chamado wishful thinking que no passado das administrações petistas, esperavam ver mantida depois da posse do petista.
Sintonia com os valores morais do brasileiro, forte cultura democrática e promoção da liberdade econômica combinada com a aplicação eficaz de bons programas sociais são uma plataforma capaz de dar viabilidade eleitoral à “terceira via”
Aqueles que “fizeram o L” e viram suas expectativas frustradas precisam ter aprendido algo com a experiência dos últimos meses: primeiro, que Lula não é confiável; segundo, que uma “terceira via”, para ser realmente viável, precisa apresentar ao brasileiro um programa consistente que não se limite a “não ser Lula nem Bolsonaro”, pois isso já se mostrou incapaz de passar pela prova do primeiro turno. Nisso, a eleição de 2018 oferece lições bastante valiosas. Bolsonaro não venceu aquele pleito simplesmente por “não ser Lula” – o mesmo poderia ser dito de outros candidatos, inclusive de partidos que se tornaram rivais clássicos do petismo, como o PSDB. O candidato do PSL propôs ao eleitorado um tripé formado por liberalismo econômico, conservadorismo moral e dureza com a bandidagem (incluindo a de colarinho branco), programa que o brasileiro abraçou por contemplar boa parte daquilo em que acredita. Nenhum outro rival histórico do petismo apresentou nada parecido com o tripé de Bolsonaro em 2018; isso explica o fracasso de tucanos e outros concorrentes, mas também mostra o caminho a seguir.
O centro político não precisa ser amorfo, sem plataformas claras. Pelo contrário: o Brasil precisa de partidos e políticos firmes na defesa da liberdade econômica, no respeito ao empreendedor, na rejeição ao estatismo, na proteção da vida e da família, na dureza com a criminalidade e a corrupção, na sensibilidade social e na proteção dos mais pobres e vulneráveis, e na defesa intransigente da democracia, das instituições e das liberdades e garantias individuais.
Em resumo, sintonia com os valores morais do brasileiro, forte cultura democrática e promoção da liberdade econômica combinada com a aplicação eficaz de bons programas sociais são uma plataforma capaz de dar viabilidade eleitoral à “terceira via”, se ela tiver a inteligência necessária para montar uma estratégia capaz de fazer frente às duas forças políticas preponderantes no Brasil de hoje. O debate político sairia muito mais enriquecido, o eleitor encontraria mais candidatos com os quais se identificar e as chances de construirmos um país justo e próspero seriam muito maiores.
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