Em 19 de dezembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux finalmente liberou para julgamento no plenário da corte o tema do auxílio-moradia concedido a juízes. O que vigora até o momento é a concessão indiscriminada do benefício, baseando-se em liminar concedida por Fux em 2014, em ação movida pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Assim, o Supremo terá a chance de estabelecer as regras corretas para o que, hoje, é um privilégio imoral.
As entidades que representam os juízes já se mobilizaram. Em mensagens enviadas a seus membros, a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) afirma que bancará a viagem de 100 de seus associados a Brasília, e a AMB promete uma luta “no limite de suas forças”, incluindo um ato no dia 1.º de fevereiro de 2018, início do ano judiciário. Ambos os textos fazem críticas ao que chamam de “campanhas difamatórias” na imprensa contra os magistrados – um expediente que, vindo de partidos de esquerda envolvidos em esquemas de corrupção e interessadíssimos no que chamam de “regulação da mídia”, é bastante compreensível, mas que surpreende vindo de magistrados.
A finalidade indenizatória do auxílio-moradia foi completamente desvirtuada
O centro da polêmica reside no caráter do auxílio-moradia e no que a Constituição permite não apenas aos juízes, mas a todo agente público, quando o assunto é o dinheiro que recebem. O texto constitucional, em seu artigo 37, é claríssimo ao estipular que seus vencimentos não podem ultrapassar o salário de um ministro do STF, mas abre uma exceção para verbas indenizatórias, ou seja, o ressarcimento de despesas extraordinárias que o agente público é obrigado a assumir devido a circunstâncias das mais diversas.
No caso do auxílio-moradia de um magistrado, é muito fácil identificar em que situações ele seria aplicado corretamente, como verba indenizatória: um juiz que é transferido para um local diferente daquele onde ele tem residência é obrigado a bancar sua hospedagem, seja em um hotel, seja alugando um imóvel temporariamente. E a Justiça (Federal, estadual, do Trabalho etc., de acordo com a vinculação desse magistrado) é obrigada a ressarcir estas despesas na medida exata daquilo que foi gasto, mediante a apresentação de um comprovante. Se o auxílio-moradia estivesse funcionando nestes termos, não haveria absolutamente nada a reparar.
No entanto, mesmo antes da liminar de Fux, tribunais estavam concedendo um valor fixo (ou seja, sem vinculação com nenhum gasto específico relativo a hospedagem ou aluguel) a todos os seus juízes, mesmo aqueles que trabalham mesma cidade onde têm residência em seu nome. Fica evidente que a finalidade indenizatória do auxílio-moradia foi completamente desvirtuada, e o benefício se transformou em verba remuneratória simples, violando o artigo 39 da Constituição – e, em alguns casos, ainda há a agravante de se elevar o valor recebido pelo juiz para uma quantia que supera o teto constitucional. O que as associações de juízes estão prometendo é trabalhar para manter essa distorção, e para isso chegaram até a retirar uma outra ação quando ela estava prestes a ser julgada pelo STF.
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Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, o presidente da Ajufe, Roberto Veloso, não conseguiu oferecer uma defesa consistente do auxílio-moradia nos termos atuais. Apoiou-se na Lei Orgânica da Magistratura, à qual obviamente a Constituição se sobrepõe; alegou que “todo mundo recebia e nós não recebemos”; e, por fim, apelou para a defasagem salarial, ao dizer que “se o auxílio-moradia for tirado, esses 41% vão chegar a quase 60% de defasagem”. Em outras palavras: se outros recebem privilégios indevidos, os magistrados, em vez de lutar para que eles sejam cancelados, preferem brigar pelo “direito” de recebê-los também; e Veloso ainda assume que o auxílio-moradia se tornou uma via torta de recomposição salarial, quando o correto seria pressionar por uma reposição feita pelas vias legais.
Quando perguntado se havia uma “preocupação de caráter moral” com o fato de até mesmo juízes que têm residência na comarca onde trabalham também estarem recebendo o auxílio-moradia, Veloso respondeu: “Não estamos com essa preocupação. Não é uma pauta nossa (...) Estamos pensando um pouco mais à frente. Precisamos resolver essa questão remuneratória”. O presidente da Ajufe não poderia estar mais equivocado. Em um país carente de referências morais nos altos escalões do poder, a busca desenfreada por privilégios deveria, sim, despertar esse tipo de preocupação. O trabalho de muitos magistrados tem dado esperança a um Brasil cansado de corrupção e de desmandos. Mas as entidades representativas dos juízes preferiram ceder ao corporativismo a demonstrar responsabilidade e respeito ao brasileiro que, por meio de seus impostos, sustenta a magistratura. Se não forem elas a ter sensatez, que seja o Supremo a fazê-lo quando chegar a hora de julgar o auxílio-moradia.
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