Ao que tudo indica, a Câmara dos Deputados vai desperdiçar uma oportunidade rara para mostrar algum comprometimento com a lisura. A eleição para a sucessão de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na presidência da casa terá como protagonistas nomes encrencados de uma ou outra forma com a Justiça, defensores do governo afastado de Dilma Rousseff e outros que, como de hábito, tratarão o cargo como balcão de negócios, barganhando apoio em troca de favores cuja concessão é prerrogativa daquele que tem o posto de presidente – mais que as regalias do cargo, ou o ingresso na linha sucessória da Presidência da República, está o poder de influenciar a pauta de votações.
Um dos favoritos é o deputado Rogério Rosso (PSD-DF), representante do “centrão”, um bloco formado por 13 partidos pequenos e médios e que vem crescendo em influência. Rosso, que presidiu a Comissão Especial do Impeachment na Câmara, é investigado por peculato e foi indiciado por corrupção, segundo reportagem do jornal O Estado de S.Paulo que investigou as pendências judiciais e suspeitas envolvendo todos os deputados que manifestaram interesse em disputar o comando da Câmara. E, como se não bastassem as acusações, Rosso desponta como o candidato de Cunha, que, como avisamos dias atrás neste mesmo espaço, renunciou à presidência da casa para tentar salvar o mandato, estratégia que inclui emplacar um aliado no posto que antes ocupava.
Boa parte dos deputados não parece ver problemas em trabalhar sob a liderança de pessoas por quem não se coloca a mão no fogo
Isso não significa, no entanto, que seus concorrentes estejam em melhores condições. O fluminense Rodrigo Maia, do Democratas, não tem pendências judiciais, mas foi alvo de um pedido de inquérito enviado pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal no mês passado. O nome de Maia aparece em uma troca de mensagens do empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, preso pela Operação Lava Jato. Ainda segundo a reportagem do Estadão, o paranaense Fernando Giacobo, do PR, já teve contra si ações no Supremo por formação de quadrilha e crime tributário, mas os crimes de que era acusado prescreveram, livrando o deputado dos processos. O paulista Beto Mansur, do PRB (outro partido do “centrão”), acumula duas condenações, dois processos e dois inquéritos. E vários outros candidatos que acabarão atuando como coadjuvantes da disputa também têm seus problemas com a Justiça.
O PMDB, partido do presidente interino Michel Temer, embolou ainda mais a disputa lançando a candidatura de Marcelo Castro, ex-ministro da Saúde do governo Dilma e parlamentar que votou contra a admissibilidade do processo de impeachment na Câmara. Este fato poderia ser a solução para o PT, que não lançou candidato e se viu na saia-justa de flertar com o apoio a Maia caso ele fosse para um segundo turno contra Rosso. A possibilidade de ajudar um articulador do impeachment de Dilma disparou um surto de puritanismo no partido que, em outras ocasiões, não viu nenhum problema em se abraçar a inimigos históricos, como Paulo Maluf e Fernando Collor; com Castro no páreo, entretanto, a crise de consciência dos deputados petistas estaria resolvida.
É desanimador pensar que o favoritismo de deputados com esse perfil na disputa pela presidência da Câmara é um indicativo de que boa parte de seus pares não parece ver problemas em trabalhar sob a liderança de pessoas por quem não se coloca a mão no fogo. Na melhor das hipóteses, trata-se de leniência com as práticas elencadas nos inquéritos ou processos; na pior das hipóteses, o caso é de cumplicidade. É evidente que essa observação não tem como ser estendida a todos os 513 deputados; mas os honestos, os que não toleram o descaso com a coisa pública, parecem não ter, no momento, a força necessária para mudar os rumos da Câmara. Até quando?
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