| Foto: Jean-François Monier/AFP

A França escolhe seu presidente neste domingo em um segundo turno que desafia quaisquer análises e simplificações. Marine Le Pen, da Frente Nacional, disputa o posto com o centrista Emmanuel Macron, do En Marche!, legenda recentemente criada. É a primeira vez que um segundo turno francês não conta com nenhuma das duas forças políticas mais tradicionais do país, o Partido Socialista e os Republicanos (ex-UMP), de centro-direita. As alianças formadas e os apoios oferecidos e recusados ajudam a entender um pouco a dinâmica da eleição, mas estão longe de explicar tudo.

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“Vencedora” do primeiro turno, Marine Le Pen é facilmente rotulada como xenófoba, mas seu perfil vai muito além do discurso contrário à imigração. Na campanha do segundo turno, ela realizou diversos movimentos para conseguir o apoio da centro-direita, apesar do apoio explícito do candidato derrotado François Fillon a Macron. Mas, em uma demonstração de que os extremos se encontram, a plataforma de Marine Le Pen também é muito atrativa para os eleitores da extrema-esquerda (com exceção do discurso sobre imigração, que contraria o falido multiculturalismo caro aos esquerdistas). Em comum com outro candidato derrotado, Jean-Luc Mélenchon, do partido França Insubmissa, Marine tem não apenas a plataforma antieuropeia, mas também um discurso fortemente antiliberal, protecionista, de fortalecimento do sistema de bem-estar social, de afrouxamento de regras para a aposentadoria e de rejeição a reformas trabalhistas – ou seja, nada daquilo que normalmente se atribui à direita.

Para onde a França for neste domingo, a Europa a seguirá

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E, assim como Marine Le Pen desafia os rótulos, também seus eleitores o fazem. É extremamente simplista pensar que apenas xenófobos racistas votam na candidata da Frente Nacional. A rejeição ao establishment político tradicional por parte de uma “França profunda” que se vê esquecida pelos burocratas em Paris ou em Bruxelas não necessariamente tem a ver com o medo de uma invasão islâmica que colocaria o país sob a sharia – uma preocupação muito mais premente nos grandes centros que na França rural, onde Le Pen também demonstrou muita força.

Macron recebeu o apoio do republicano Fillon e do socialista Benoît Hamon, que terminaram o primeiro turno em terceiro e quinto lugares respectivamente, mas não o do quarto colocado, Mélenchon (seu partido optou pela recomendação do voto em branco ou da abstenção, o que indiretamente ajuda Le Pen). Ao contrário de sua concorrente, o centrista defende reformas trabalhistas e previdenciárias que modernizem a economia francesa, algumas das quais ele mesmo implantou quando ministro da Economia no governo François Hollande. Em um aceno ao eleitorado de Le Pen, Macron chegou a afirmar que a União Europeia precisa, sim, de reformas – o que é uma grande verdade, dada a excessiva centralização de poderes na burocracia do bloco; o problema é convencer os franceses a acreditar nele, pois Macron é visto como o candidato do establishment pró-europeu, fato muito explorado por Le Pen em debate ocorrido dias atrás.

Leia também:Na França, uma eleição decisiva (editorial de 22 de abril de 2017)

A tendência à rotulagem fácil já derrubou analistas e a imprensa nos Estados Unidos, com a vitória de Donald Trump, e no Reino Unido, onde a maioria dos eleitores votou pela saída da União Europeia. Ainda que Macron seja o candidato com as plataformas mais sensatas – modernização da economia, rejeição ao protecionismo e a admissão de que há problemas reais com a balança de poder entre a UE e os governos nacionais, e com o crescimento de um fluxo migratório que se recusa a assimilar os valores ocidentais, mas que não se resolvem com isolacionismo ou xenofobia –, não se pode descartar o apelo da candidata da Frente Nacional. Para onde a França for neste domingo, a Europa a seguirá, e por isso é importante a vitória de Macron: a Europa pode sobreviver ao Brexit, mas não a um Frexit.