Duas semanas depois da divulgação de operações financeiras “atípicas” por parte de um ex-assessor do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro, toda a história ainda continua muito mal explicada pelos principais envolvidos no escândalo. Nada do que tenha sido dito até o momento forneceu uma justificativa convincente para o R$ 1,2 milhão movimentado em um período de 12 meses (entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017) por Fabrício Queiroz, policial militar que há dez anos é segurança e motorista do deputado, segundo o próprio Flávio Bolsonaro, e que estava lotado no gabinete do parlamentar até outubro deste ano.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) incluiu as informações sobre Queiroz no relatório que faz parte da documentação da Operação Furna da Onça, um desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro que investigava movimentações atípicas de assessores da Assembleia Legislativa fluminense, mas que não tinha Flávio Bolsonaro como alvo. O Ministério Público Federal afirmou que o relatório foi “espontaneamente difundido pelo Coaf”.
O que os depósitos parecem indicar é uma prática já clássica no Poder Legislativo, nas esferas municipal, estadual e federal: a contratação de assessores parlamentares com a condição de que parte dos salários que recebem seja repassada ao titular do mandato. Queiroz seria uma espécie de “centralizador” – os dados do Coaf mostram que a maioria dos depósitos em espécie recebidos pelo PM caía em sua conta no dia do pagamento dos servidores da Assembleia Legislativa ou nos dias subsequentes. O dinheiro era sacado logo depois, e os valores movimentados são “incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica ou ocupação profissional e a capacidade financeira” do assessor, segundo o Coaf. O nome de Jair Bolsonaro não apareceu nas denúncias, mas existe um cheque de R$ 24 mil de Queiroz para a futura primeira-dama, Michelle Bolsonaro. O presidente eleito justificou o pagamento alegando que se tratava de uma dívida antiga de R$ 40 mil.
As estruturas construídas em torno da atividade parlamentar facilitam o esbanjamento – legal ou ilegal
A prática é tão disseminada no Brasil que são inúmeros os casos de parlamentares investigados, acusados e cassados por exigir e receber parte dos salários de seus assessores, contratados justamente com esse objetivo. As circunstâncias que facilitam a propagação desse esquema são várias, e passam pela permissividade com que se trata o dinheiro do contribuinte, pois os parlamentares podem contratar dezenas de assessores, cada um com salários muito superiores às médias da iniciativa privada para funções de responsabilidades semelhantes. Não surpreende que, quanto maior a disparidade entre as qualificações e o salário dos contratados, mais eles aceitem de bom grado “recompensar” os responsáveis por lhes proporcionar um cargo público e menos incentivo haja para denúncias.
As reações até agora têm oscilado entre a indignação extrema, como se estivéssemos diante de um novo petrolão, e as tentativas de minimizar o episódio. Nenhuma das duas atitudes é correta. Há escândalos envolvendo somas muito maiores de dinheiro? Sem dúvida que há, e o brasileiro precisará de muitas mãos para enumerá-los. A diferença, no entanto, não é apenas quantitativa, mas qualitativa, a começar pela própria natureza dos atos em questão. O pacto de compadrio que caracteriza a apropriação de parte do salário dos assessores não se compara, em gravidade, aos megaesquemas criados pelo petismo, onde o que se verificou foi a corrupção desenfreada. Como agravante, petrolões e mensalões tinham uma finalidade muito mais perversa, a de fraudar a democracia brasileira. Isso não significa, evidentemente, que o “pedágio” que parlamentares cobram de assessores deva ser visto como coisa pouca; trata-se, certamente, de uma prática espúria que precisa ser eliminada da vida política nacional.
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Flavio Quintela: Bolsonaro precisa ser Bolsonaro (19 de dezembro de 2018)
O caso mostra, por exemplo, como as estruturas construídas em torno da atividade parlamentar, com seus inúmeros assessores, auxílios disso e daquilo, verbas especiais para os mais diversos fins, facilitam o esbanjamento – legal ou ilegal – do dinheiro retirado do suado contribuinte. Multiplique-se essa facilidade pelos milhares de mandatos eletivos em todo o Brasil, em todos os níveis de governo, e tem-se uma ideia do tamanho do ralo pelo qual escoa dinheiro que falta para os serviços essenciais prestados pelo Estado.
Além disso, que algo assim ocorra envolvendo um dos filhos do presidente eleito tem uma agravante simbólica. Bolsonaro foi eleito justamente com um discurso de lisura no trato da coisa pública, depois de mais de uma década de pilhagem sistemática realizada pelo lulopetismo. Diante da divulgação de atividades suspeitas envolvendo um dos membros da família, o clã oscila; ora se defende com clichês como “ninguém recebe ou dá dinheiro sujo com cheque nominal” ou joga toda a obrigação de dar explicações nas costas do elo mais fraco – no caso, o ex-assessor Queiroz –, ora fala da necessidade de investigação profunda. De fato, o Ministério Público no Rio já abriu procedimento de investigação criminal para apurar as movimentações de Queiroz. O país aguarda o resultado da apuração, que ainda oferece uma oportunidade a Jair Bolsonaro: a de repudiar veemente essas práticas que remetem à velha política, mesmo que venham de alguém tão próximo, como um membro da família.
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