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Editorial 1

Uma lacuna

Enfim, um sopro de bom-senso. Os integrantes do Conselho Especial de Justiça do Distrito Federal decidiram, em sessão reservada, realizada na terça-feira, afastar o desembargador Dácio Vieira do processo no qual ele proibiu o jornal O Estado de S. Paulo de divulgar reportagens sobre a Operação Boi Barrica. O Conselho concluiu que Vieira não tinha isenção para continuar como relator do caso, que envolve negócios de Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney.

A decisão do Conselho Especial, no entanto, não dá conta de corrigir o problema principal, pois segue válida a liminar que proíbe o Estadão de publicar dados sobre a Operação Boi Barrica. Tem-se, agora, uma situação quase paradoxal: a permanência de uma decisão tomada por um desembargador que não é considerado isento para atuar no processo. Tal quadro revela que é urgente a manifestação do novo relator, Lecir Manoel da Luz, sobre a manutenção ou não da liminar. Afinal, não nos parece nada razoável sustentar uma liminar dada por um juiz agora desqualificado para essa situação em particular.

Embora os rumos sejam incertos, espera-se que a aguardada manifestação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) reconheça que no caso em análise o interesse público – a ser garantido pela divulgação das informações apuradas pelo jornal – se sobrepõe ao direitos privados dos investigados, principalmente porque os argumentos e fatos apresentados pela família Sarney carecem da chamada fumaça do bom direito. Neste ponto, vale a pena ressaltar que a questão, tratada, em geral, sob a perspectiva da censura prévia, em afronta direta à Constituição Federal, pode ser analisada sob outro enfoque. Quando num processo um juiz concede uma liminar, inevitavelmente, acaba por conceder algo a uma parte em detrimento da outra. Em suma, num juízo de urgência, para proteger um bem maior, mostra-se necessário suportar um mal menor. Sob tal ponto de vista fica evidente o quão absurdo é impedir que se tornem públicas informações relativas a um inquérito policial em que se investigam acusações de lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e financiamento indevido de campanhas de familiares do presidente do Senado.

Tal qual o desembargador Dácio Vieira, seria possível argumentar que estava em jogo a proteção ao segredo de justiça. Ocorre que, como citamos no editorial sobre o caso publicado no dia 4 de agosto, todo o direito tem por posição correspectiva um determinado dever. No caso do segredo de justiça, o dever de sigilo pesa sobre o próprio juiz e todos os que trabalham nos autos sigilosos (advogados, partes, serventuários da justiça). Se de algum modo estas informações chegam às mãos dos jornalistas, não se mostra razoável, nem lícito, proibir que esses dados reais sejam retratados, especialmente quando é evidente o interesse público sobre o assunto.

São criticáveis, portanto, tanto o critério segundo o qual alguns processos misteriosamente são colocados sob sigilo quanto o efeito que se pretende deduzir desse segredo judiciário: fazer com que aquele que viu finja que não viu e se omita diante do dever de bem informar. É esse quadro de distorção que esperamos ver corrigido pelo TJDFT.

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