O Brasil é pródigo em criar leis que "não pegam", ou pelos absurdos impraticáveis que elas contêm ou simplesmente pela impossibilidade de fazer com que efetivamente sejam cumpridas. Um exemplo que confirma tal assertiva foi dado recentemente por um prefeito do interior de São Paulo diante de uma lei aprovada pelos vereadores locais que proibia o plantio de espinheiros nas calçadas em frente dàs residências. O legislador teve suposta boa intenção afinal, a planta poderia causar ferimentos em transeuntes. Diante dos inúmeros casos de transgressão, o prefeito respondeu a um munícipe inconformado: "E você quer que eu desloque 40 fiscais da prefeitura para fiscalizar espinheiros?" Claro, a lei "não pegou" porque havia coisas mais importantes na administração da cidade do que fiscalizar espinheiros.
Outro bom exemplo de situação análoga se dá em relação à "Lei Seca", que entrou em vigor em 2009. Enquanto as autoridades se empenharam em fiscalizar o seu cumprimento, punindo motoristas flagrados com teores de álcool em índices maiores do que os permitidos, houve sensível redução no número de acidentes de trânsito causados por embriaguez ao volante. Entretanto, a falta de estrutura dos órgãos fiscalizadores para manter a mesma presença e o mesmo rigor já dá sinais preocupantes de que a Lei Seca perdeu grande parte de sua efetividade.
Lei recente que "pegou" foi a da proibição do fumo em lugares públicos fechados. Ainda que os organismos de vigilância sanitária não tenham condições de fiscalizar todos os ambientes bares, restaurantes, repartições públicas, escritórios etc. a população consciente se encarregou voluntariamente de cumprir esse papel. Já são poucos os registros de desobediência. A simples sensação de que ao lado há um não fumante capaz de exercer seu direito legal de não ter por perto um fumante já é suficiente para constrangê-lo.
Pois bem: tudo isso para lembrar que, em maio próximo, passa a vigorar a Lei de Acesso à Informação mais conhecida como Lei da Transparência diante da qual os órgãos públicos de todos os níveis e esferas, em todo o território nacional, serão obrigados a tornar transparentes todos os seus atos que digam respeito, principalmente, ao uso de recursos públicos. E mais: serão obrigados a fornecer dentro do prazo máximo de 30 dias todas as informações aos cidadãos que as requererem, mesmo que não apresentem qualquer motivo.
A partir da sanção da lei pela presidente Dilma Rousseff, em novembro passado, as instituições públicas tiveram seis meses para se preparar e se colocar em condições de atender a suas determinações. Metade desse prazo já transcorreu e um recente balanço da Casa Civil da Presidência da República constatou que apenas dois ministérios tomaram a iniciativa primária de nomear as comissões internas para organizar seus próprios sistemas de informação. Situação provavelmente idêntica (ou ainda mais grave) se dá em relação aos estados e municípios. A ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, atentou para o problema e, na semana passada, expediu cobrança às repartições federais no sentido de que se agilizem.
Será a Lei da Transparência inútil se os agentes públicos não lhe derem condições de se tornar efetiva. E se a população que com ela alcançou um novo grau para exercer seus direitos de cidadania não levantar sua voz visando ao seu amplo e geral cumprimento. Só assim poderemos incluí-la entre as "leis que pegam".