O atendimento às vítimas de sofrimento mental e drogadição parece estar por um fio, curvado diante da sobrecarga
Os centros de atenção psicossocial, os Caps, como são chamados, figuram incontestes entre as boas notícias do mundo da saúde. Surgiram nos anos 2000 como resposta aos desacertos históricos dos manicômios e assim permanecem. É crônica conhecida. Os hospícios erguidos a partir do século 19 escreveram páginas de dor, isolamento e agravamento do sofrimento mental. Os centros especiais querem escrever histórias de remissão na vida de doentes psíquicos e dependentes químicos.
No Brasil, o movimento antimanicomial que resultou no repúdio às formas tradicionais de tratamento já a partir da década de 1970 tem entre seus símbolos o curitibano Austregésilo Carrano, autor de O canto dos malditos, relato sem meios tons sobre os bastidores dos hospitais psiquiátricos pelos quais passou. Gerou polêmica brava. Mas se pode falar num antes e num depois de Carrano, personagem que marcou essa mudança de mentalidade.
Difícil encontrar quem repudie os ganhos dos Caps. Basta lembrar argumentos como o do sanitarista Emerson Elias Merhy, da Unicamp: os centros especializados garantiram aos pacientes o direito de ir e vir, o de arbitrar sobre o tratamento que vão receber; ampliaram o conceito de acolhimento e de vínculos para as famílias e para os doentes, tal como manda a Lei 10.216/2001, a Lei Paulo Delgado. Tanto quanto, apontaram terapias alternativas, tão dinâmicas e variadas quanto o próprio sofrimento mental.
A importância do movimento antimanicomial, contudo, não significa que o que dele resultou esteja em mares tranquilos. E essa é a questão. Timidamente, como se estivessem diante de algo sagrado, profissionais de saúde aqui e acolá questionam a concentração de energia nos Caps, cujo crescimento redundou na diminuição de leitos nos hospitais psiquiátricos, como se devessem ser varridos para debaixo do tapete da história. Ora, as instituições médicas também passaram pelas mudanças promovidas pela luta antimanicomial. Cambiaram seus métodos a exemplo do próprio Hospital Psiquiátrico Bom Retiro, mantido em Curitiba pela Federação Espírita do Paraná, referência nacional em novas terapias. E não em poucos casos se mostram necessários de fato. São contundentes os relatos de familiares de pacientes e de profissionais de saúde a respeito de casos em que o Caps não tem como dar conta do grau de comprometimento dos doentes.
Em paralelo, forma-se o consenso de que os centros de atenção psicossocial correm o risco de serem enredados pela lógica de resultado que empesteia muitas políticas públicas. O tempo e as nuanças de uma doença psíquica não se rendem à velocidade e às estatísticas urgentes para superfaturar mandatos. O descontentamento de muitas clínicas credenciadas que oferecem Caps parece vir dessas políticas ligeiras, cujos repasses de verbas, com perdão ao trocadilho, beiram a demência. Para piorar, há os atrasos, a baixa remuneração e a lentidão do próprio sistema hospitalar em incluir as doenças psíquicas no seu rol de atendimentos. Os centros especiais são a glória, mas o calvário do mundo manicomial não acaba tão cedo.
O recente descredenciamento voluntário do Caps Ômega, uma clínica particular associada, em Curitiba, é prova de que algo não anda bem. Foi a gota dágua para a Ômega (que voltou a funcionar na quinta-feira graças a um contrato emergencial), mas não é a primeira instituição a dar sinais de cansaço. São apenas 14 centros de atendimento na capital, isso em meio ao que os especialistas entendem como uma epidemia no uso do crack para citar um dos esqueletos guardados no armário.
Usando os argumentos da própria psicologia, é importante que o sistema de saúde supere a "fase de negação" na qual se encontra, admitindo que os Caps são bons, mas não estão acima do bem e do mal. Nasceram como reação ao sistema manicomial. Mas podem ser criticados. Sobretudo, precisam ser respeitados.
Agora, é ficar atento à promessa da Secretaria Municipal de Saúde de que será feito o diagnóstico da saúde mental em Curitiba. Uma das medidas esperadas é que se aumente o número de centros, garantindo a ampliação da capacidade atual de 2,2 mil usuários. Que melhorem o atendimento 24 horas e o socorro às crianças. E que se admita que a população da região metropolitana recorre a Curitiba em momentos de emergência, o que exige cada vez mais do sistema que trabalhe em regime de consórcio com as cidades vizinhas.
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