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Editorial

Uma nova crise a caminho no setor elétrico

(Foto: Comfreak/Pixabay)

Por mais que o inverno seja, tradicionalmente, uma estação mais seca, em 111 anos de prestação de serviços meteorológicos no Brasil nunca havia sido emitido um alerta de emergência hídrica, até este 2021: o aviso veio na sexta-feira passada, dia 28 de maio, um dia depois de o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), presidido pelo Ministério de Minas e Energia, realizar reunião extraordinária. A combinação dos fenômenos La Niña (de outubro de 2020 a março de 2021) e Oscilação Antártica intensifica a estiagem nos estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná, e deixa o Brasil sob o risco de uma nova crise hídrica e no setor elétrico.

Represas em níveis extremamente baixos têm consequência dupla, pois afetam o fornecimento de água e de energia elétrica. Todas as usinas termelétricas à disposição já estão operando para compensar os reservatórios baixos das usinas hidrelétricas, que compõem a maior parte da matriz energética brasileira. E talvez nem isso seja suficiente, pois o governo considera a hipótese de recorrer a termelétricas sem contrato para reforçar a disponibilidade de energia e evitar um apagão – possibilidade afastada pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que no entanto também diz contar com a responsabilidade dos consumidores.

Estímulo à competição, à geração de energias alternativas, reforço da infraestrutura de transmissão: o Brasil pecou em todos esses quesitos e em mais alguns

Se a mera conscientização não bastar para que o brasileiro reduza o consumo de energia, o peso no bolso acabará servindo de argumento. As usinas termelétricas têm maior custo, e por isso o país já vinha arcando com a bandeira tarifária vermelha 1, que encarece a conta do consumidor. E, neste mês de junho, já está vigorando a “bandeira vermelha 2”, o nível mais caro do sistema. Como se não bastasse, a energia elétrica, a exemplo dos combustíveis, é item cujo custo tem efeito sobre inúmeros outros preços, o que pressionará uma inflação que já anda em níveis perigosos desde a segunda metade de 2020. Outra possível fonte de pressão inflacionária está nas restrições ao uso da água para irrigação pelo agronegócio, já que a prioridade seria a preservação do nível dos reservatórios para geração de energia.

Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, afirmou que “temos um problema não apenas conjuntural de chuvas localizadas, mas temos um problema estrutural também”, ao afirmar que o modelo brasileiro ainda é extremamente engessado e necessitado de novos marcos legais e de aceleração nos processos de concessões e privatizações. De fato, ainda que a emergência hídrica seja inédita, há quase dez anos o Brasil convive com chuvas abaixo da média, e um governo responsável já teria começado a tomar providências desde então. No entanto, a grande cartada de Dilma Rousseff no setor elétrico foi a MP 579, que, com o pretexto de baratear a energia, desorganizou completamente o setor e acabou deixando como herança maldita um custo que o consumidor está pagando até hoje.

E a tentação do intervencionismo no setor elétrico não foi completamente apagada: a Câmara dos Deputados inseriu, na medida provisória de privatização da Eletrobrás, uma série de obrigações que tendem a mitigar muitos dos ganhos obtidos com essa tão necessária desestatização. As mudanças, que não estavam no texto da MP assinada por Jair Bolsonaro, fizeram partidos e parlamentares notórios pela defesa das privatizações votarem contra o texto do relator Elmar Nascimento (DEM-BA), em uma tentativa de resgatar a versão original. No entanto, o substitutivo foi mantido, e caberá ao Senado tentar eliminar ao menos alguns dos penduricalhos.

O clima não tem como ser controlado, mas um setor elétrico estruturado e bem planejado é capaz de amenizar os efeitos de fenômenos que prejudiquem a geração de energia hidrelétrica. Infelizmente, muito tempo foi desperdiçado desde o célebre racionamento de 2001. Estímulo à competição, à geração de energias alternativas, reforço da infraestrutura de transmissão: o Brasil pecou em todos esses quesitos e em mais alguns; agora, o preço vem na forma de energia mais cara e escassa, podendo até mesmo comprometer uma recuperação econômica que começava a dar bons sinais.

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