A irresponsabilidade politiqueira fez com que, a partir da Constituição de 1988, o número de municípios brasileiros crescesse de 3,9 mil para os atuais 5.570. Neste mesmo período, o Paraná instituiu mais 76, saltando para os 399 que hoje temos. Eles proliferaram graças a discursos que pregavam a necessidade de desmembrar pequenos distritos e dar-lhes a autonomia administrativa necessária para assegurar-lhes o desenvolvimento que as sedes originais lhes negavam ao explorar suas receitas e pouco lhes devolver em troca – em alguns casos, argumentos pertinentes; mas, no fundo, na maior parte das vezes, a real motivação era bem mais prosaica: criar novas prefeituras, novas câmaras, novos cartórios, mais empregos públicos... cuja somatória resulta em cercar currais eleitorais e montar máquinas de fazer votos.
Não poderia dar certo. Como bem analisa o jurista Ives Gandra Martins, a proliferação dos municípios no Brasil está diretamente relacionada ao aumento da carga tributária: “O mesmo povo passou a ter duas câmaras legislativas, duas prefeituras, duas estruturas burocráticas. Se o povo é o mesmo e a estrutura burocrática é maior, cria-se um problema muito sério para a manutenção das finanças públicas”. A carga tributária do Brasil passou de 24% do PIB em 1988 para 36% agora – nem tudo culpa dos municípios recém-criados, é verdade; mas o gasto adicional com o acréscimo de novas estruturas administrativas é inegável.
Se olhar a questão apenas sob o ângulo levantado por Gandra Martins já é suficiente para nos dar a dimensão do problema, há outros que não devem ser esquecidos: dividir um município que já é pobre e dependente significa termos dois municípios paupérrimos e ainda mais dependentes de recursos extras para sobreviver. E, consequentemente, ficam piores as condições para assegurar o desenvolvimento e piores os serviços que a população demanda.
Além da solução dos consórcios, melhor seria racionalizar a própria extensão territorial dos municípios existentes
Sem dúvida, este quadro explica a situação de miserabilidade da maioria dos municípios brasileiros, cujos prefeitos se obrigam a peregrinar por gabinetes, de pires na mão, em busca de pequenas verbas para complementar seus orçamentos. Além disso, sem receitas locais expressivas, não têm como pagar nem mesmo o custeio básico da administração – sempre precisam contar com as transferências constitucionais obrigatórias que os governos estadual e federal lhes fazem por meio de fundos próprios, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), pelos quais a União faz o rateio de parte dos impostos que recolhe. Com a arrecadação em baixa, é evidente que caem também os valores correspondentes a cada município.
Favorecidas por legislação federal, algumas cidades têm conseguido contornar os problemas mais prementes: elas constituem consórcios que unificam os recursos específicos que lhes são repassados para prestar serviços específicos à população. Sistemas de saúde são um dos melhores exemplos: sozinho, cada município é incapaz de contratar médicos, enfermeiros, agentes de saúde, adquirir equipamentos e construir sedes adequadas para postos de atendimento. Quando, porém, se unem em consórcios de saúde e destinam as verbas que recebem do SUS para a manutenção de uma estrutura única para atender toda a vizinhança, têm conseguido oferecer serviços exemplares, como mostrou reportagem publicada pela Gazeta do Povo no último dia 4. Um exemplo positivo é o Consórcio Intermunicipal de Saúde Costa Oeste do Paraná (Ciscopar), com sede em Toledo e que reúne 17 outros municípios da região.
Consórcios podem ser a solução também para coleta e tratamento de lixo, para construção e manutenção de estradas rurais vicinais e para inúmeras outras necessidades comuns a cidades vizinhas. Para constituí-los basta, basicamente, a vontade política dos gestores públicos. Se multiplicados, não só as cidades contornariam as dificuldades individuais como, sobretudo, ofereceriam serviços melhores às comunidades de todo um entorno regional.
Além da solução dos consórcios, na conjuntura de crise que vivem o estado e o país, melhor seria racionalizar a própria extensão territorial dos municípios existentes. A fusão, tema de reportagem da Gazeta do Povo publicada no último dia 5, é uma das alternativas em que se deve pensar, ainda que a ideia enfrente as dificuldades impostas pela baixa política. Uma saída ainda melhor que as fusões, embora não excludente, é o Brasil investir seriamente em reformas estruturais, dentre as quais a que estabeleça um novo pacto federativo – isto é, que desconcentre as receitas (hoje quase totalmente nas mãos da União) e as mantenha nos lugares em que são geradas.