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Editorial 1

Uma segunda época

Quem já foi a Cuba deve ter se impressionado com a beleza das águas caribenhas batendo nas pedras do Malecón. Por vezes, as ondas chegam à famosa beira-mar de Havana com força o bastante para atingir as fachadas dos edifícios art déco, patrimônio arquitetônico da ilha. É um espetáculo. Mas tanto quanto a parceria entre o mar e a cidade, chama atenção o estado de penúria das construções, reduzidas a cortiços sustentados por vigas de madeira e, vai ver, pelas mãos das divindades da Santería – o candomblé local.

O ocaso do Malecón cubano foi descrito sem piedade pelo escritor Pedro Juan Gutiérrez em livros como Trilogia Suja de Havana. O efeito de sua denúncia, contudo, beira zero na Escala Richter. A ilha de Fidel permanece objeto de desejo de milhares de turistas, como nos tempos em que era um grande cassino governado por Fulgêncio Batista. É simples entender.

Na mesma rua em que o visitante sente os efeitos olfativos do saneamento nada básico local, pode-se ver uma das cenas mais cativantes do país: a saída da escola. São levas de criança, trajando uniforme à moda camponesa – incluindo o lencinho vermelho preso à garganta –, tomados de uma alegria que dá quase para apalpar. Pudera: os cubanitos são protagonistas de um dos melhores sistemas educacionais do planeta, à revelia da censura e da falência do modelo econômico a que obedece.

A pergunta é sempre a mesma: como é que pode? O economista polonês Martin Canoy, radicado nos Estados Unidos e professor da Universidade Stanford, decidiu respondê-la e acaba de lançar o livro A vantagem acadêmica de Cuba. A obra teve o impacto das ondas batendo no Malecón. Canoy, como cabe a um bom pesquisador, não se limitou a dissecar o sistema educacional cubano: comparou-o ao de outros países latino-americanos, incluindo o Brasil. Diante do resultado, não causa espanto se algum professor estiver nesse momento atirando flechinhas pontudas na foto do autor.

Canoy culpabiliza os educadores pelas nossas mazelas educacionais. Sua dedução é a de que são capazes de sólidos discursos pedagógicos, mas que não sabem bolar uma boa aula e avaliação de matemática ou português. Ele afirma que o aprendizado dos alunos nem sequer é acompanhado pelas instituições. Se assim for, depois do boletim o que sobra é o vácuo.

O mais curioso de toda a conversa é que não se encontra nada no famélico modelo cubano que uma distante escola rural brasileira não possa adotar. Lá, as aulas são longas, sempre com o mesmo professor, ocorrem em período integral e incluem esporte, convivência, tutores e horário para assistir à tevê. Mais: os supervisores de ensino – cujo perfil no Brasil é obscuro – são homens e mulheres que batem perna de escola em escola, averiguando se os conteúdos foram ensinados, como e se foram feitas as avaliações.

Eis o ponto. A contar pela antipatia com que as deduções de Canoy estão sendo recebidas, os professores brasileiros não se veem como profissionais que não sabem ensinar. Faz algum sentido: somos comunicativos, treinados para lidar com situações adversas e, como nos esportes, volta e meia damos um baile nos cubanos. Mas em se tratando do sistema de avaliação, é bem provável que o economista esteja coberto de razão.

O berço da nossa educação remonta 1549, com a chegada dos jesuítas, fadando a escola a espaço evangelizador, sustentado por esmolas e à margem da economia. O agravante é que só nos idos da década de 90 o ensino passou a ser avaliado. Foi um deus nos acuda. Há, de fato, algo autoritário nos rankings do Ministério da Educação. Mas é inegável que graças a eles hoje é possível ter algum indicativo do ponto em que estamos.

Os que enfrentam diariamente uma sala de aula argumentam que os pesquisadores de gabinete não sabem do que estão falando. Querem vê-lo com giz na mão. Mas deixadas as mágoas de lado, pior do que ganhar pouco e suportar a carga colocada pela sociedade nas costas da educação é gastar os dias numa escola e não conseguir de fato ensinar. É fato. De resto, vencer Cuba, como sempre, vai ser bem divertido.

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