Apenas duas semanas depois da última tentativa frustrada do presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, de conquistar o poder de facto, ocupado hoje pelo ditador Nicolás Maduro, surge uma esperança de uma solução negociada que coloque fim à tirania do “socialismo do século 21” e restaure a democracia no país sul-americano. Na quinta-feira, os dois lados confirmaram que o governo norueguês está mediando um diálogo, que até o momento ocorre pelo método do “telefone sem fio”: as equipes de Maduro e Guaidó, até o momento, não conversam diretamente, mas tratam separadamente com os noruegueses, que levam as demandas ao outro grupo.
O presidente interino, apesar do apoio e do reconhecimento formal de boa parte da comunidade internacional democrática, não conseguiu trazer para seu lado as Forças Armadas, que hoje são o fiel da balança venezuelana. Maduro, por sua vez, conta com os militares, as milícias chavistas e o apoio de países pouco ou nada afeitos à democracia, como Rússia, China e Turquia, mas não passa disso. Sem poder tomar nenhuma medida mais drástica contra Guaidó, resta-lhe insistir em governar um país destruído, com uma população faminta, tendo de recorrer à fraude eleitoral para exibir um último fiapo de legitimidade formal.
Se Maduro não enxergar saída para si mesmo, a tendência é prolongar o impasse, punindo o povo, ou até mesmo partir para a guerra aberta
Para romper o impasse sem que a crise degenerasse em uma guerra civil, restava a negociação com mediadores independentes. O Vaticano tentou exercer esse papel no passado – o secretário de Estado da Santa Sé, cardeal Pietro Parolin, foi núncio na Venezuela entre 2009 e 2013, coincidindo com os últimos anos de Hugo Chávez e a ascensão de Maduro. O papa Francisco, no entanto, se cansou da postura do bolivariano, que usava as negociações apenas para ganhar tempo enquanto se reforçava internamente – em carta recente endereçada ao “sr. Maduro”, o pontífice respondeu a um novo pedido de mediação afirmando que as tentativas anteriores falharam pela falta de “gestos concretos para implementar os acordos”. A escolha da Noruega – que já mediou acordos importantes, como os de 1993 e 1995 entre Israel e palestinos e, mais recentemente, entre o governo colombiano e os narcoterroristas das Farc – mantém a disputa em terreno neutro, longe de atores comprometidos com algum dos lados.
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Uma possibilidade é trocar o retorno da democracia à Venezuela pela garantia de integridade física da cúpula bolivariana, incluindo o próprio Maduro, e da anistia a militares e colaboradores do regime que não tenham cometido crimes contra a humanidade. O ditador e seu círculo mais próximo, como Diosdado Cabello, presidente da ilegítima Assembleia Constituinte, poderiam rumar para o exílio patrocinado por algum aliado, comprometendo-se a jamais voltar a interferir na política interna da Venezuela, enquanto o país é reconstruído política e economicamente. As atrocidades cometidas pelo chavismo foram tantas que, à primeira vista, a ideia de Maduro e seus asseclas desfrutando de uma vida boa em uma certa ilha caribenha, por exemplo, ofende nosso senso de justiça. Mas, se esta possibilidade realmente estiver na mesa em Oslo e se ela representar a possibilidade mais rápida de resolução do conflito, merece, sim, ser considerada. Se Maduro não enxergar saída para si mesmo, a tendência é prolongar o impasse, punindo o povo, ou até mesmo partir para a guerra aberta.
Qualquer solução negociada deixará descontentes – e os interessados não são apenas os venezuelanos, pois grandes potências como Rússia, China e Estados Unidos também podem sair beneficiadas ou prejudicadas. O desafio do time de negociadores noruegueses é o de colocar em primeiro lugar o povo venezuelano, que hoje morre de fome graças às políticas socialistas e tem negadas liberdades democráticas básicas, sem deixar de oferecer algo a pessoas e grupos cuja oposição a um acordo poderia inviabilizar sua implantação e devolver o caos à Venezuela.
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