| Foto: Andrew Harrer/Bloomberg

Em 2012, o confeiteiro norte-americano Jack Phillips se viu envolvido em uma controvérsia que testou os limites de onde começam ou terminam a liberdade religiosa e a discriminação. Reconhecido pela qualidade de seu trabalho, Phillips foi procurado por Charlie Craig e David Mullins, que lhe pediram para preparar um bolo de casamento. O confeiteiro, que é cristão, recusou, alegando que não fazia bolos para casamentos homoafetivos, mas disse a Craig e Mullins que eles poderiam adquirir qualquer outro produto já confeccionado que estava à disposição na confeitaria. Eles não aceitaram a alternativa e reclamaram à Comissão de Direitos Civis do estado do Colorado. Iniciava-se aí uma batalha jurídica que chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos.

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Phillips e sua empresa, a Masterpiece Cakeshop, perderam a disputa nas instâncias inferiores. A empresa foi obrigada a fornecer bolos para casamentos homoafetivos – diante disso, Phillips optou por sair do mercado de bolos de casamento, o que lhe custou 40% de suas receitas; o confeiteiro e seus empregados tiveram de passar por um “programa de reeducação”, algo que só se imaginava existir em regimes totalitários. A confeitaria resolveu levar o caso à instância máxima do Judiciário norte-americano, quando o processo ganhou o nome oficial de Masterpiece Cakeshop vs. Colorado Civil Rights Comission (até então, era Craig vs. Masterpiece Cakeshop). O nome é importante porque o que passou a estar em jogo era se as ações tomadas pela comissão estadual tinham violado a liberdade religiosa de Phillips.

Phillips recusou-se a colocar sua arte a serviço de algo de que ele, em sua consciência, discorda

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Em uma Suprema Corte dividida ao meio em questões morais, o placar da decisão não deixou dúvidas: por sete votos a dois, o tribunal deu razão a Phillips. Mesmo Anthony Kennedy, Elena Kagan e Stephen Breyer, magistrados que, em 2015, foram parte da maioria quando a corte determinou que o direito ao casamento homoafetivo deveria existir em todo o país, reconheceram que a Comissão de Direitos Civis do Colorado tinha ido longe demais, demonstrando hostilidade contra as convicções religiosas do confeiteiro nas punições aplicadas a ele.

O escopo da decisão, no entanto, é bastante restrito: refere-se apenas à reversão das sanções aplicadas pela comissão estadual contra Phillips (que, por exemplo, pode voltar a trabalhar com bolos de casamento recusando-se a atender encomendas para uniões homoafetivas), mas não resolveu a questão de fundo que envolve o exercício da liberdade profissional em conjunto com outras liberdades essenciais para a democracia, a religiosa e a de expressão – omissão essa que foi ressaltada por um dos integrantes da Suprema Corte, Clarence Thomas, para quem as atitudes de Phillips estavam protegidas por essas duas liberdades.

Leia também: A luta de um confeiteiro pela liberdade interessa a todos (artigo de Andreas Thonhauser, publicado em 22 de agosto de 2017)

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Ao tomar esse caminho, a Suprema Corte resolveu o problema de Phillips, mas não o de inúmeros outros profissionais (incluindo floristas e fotógrafos que já foram processados pela mesma razão) que, de forma sincera e segundo sua consciência, acreditam que o casamento só se dá entre um homem e uma mulher. Note-se, aqui, que Phillips não se recusou a atender Craig e Mullins por eles serem homossexuais, tanto que ofereceu outros bolos já prontos; sua recusa foi a de colocar sua arte e seu trabalho a serviço de algo de que ele, em sua consciência, discorda. No caso de Phillips, essa discordância tem origem em suas convicções religiosas, o que acrescenta mais uma camada – muito relevante, aliás – a esse intrincado cenário. Mas o mesmo raciocínio pode se aplicar a divergências filosóficas ou políticas: um confeiteiro democrata, ou que tenha uma profunda aversão a Donald Trump, poderia se recusar a preparar um bolo a pedido do diretório local do Partido Republicano com a inscrição “Make America Great Again”? Não temos dúvida de que sim.

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Por isso, embora a decisão da Suprema Corte esteja correta, ela é lamentavelmente incompleta. Havia precedentes suficientes para o Judiciário norte-americano proteger de forma definitiva as liberdades religiosa e de expressão, bem como a objeção de consciência de profissionais que se recusam a endossar, com seu trabalho e arte, algo de que discordem. Dessa proteção depende, sem exagero nenhum, o futuro da liberdade no Ocidente contra as pretensões daqueles que, no exercício do poder, ambicionam investir sobre a consciência dos cidadãos e impor um modo único de pensar.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]