Uma importante batalha para que no Brasil volte a vigorar a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância está sendo vencida no Senado. Na terça-feira, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa aprovou, por 22 votos a 1, um projeto de lei de autoria de Lasier Martins, com relatoria da senadora Juíza Selma (ambos do Podemos), que altera o artigo 283 do Código de Processo Penal. Como a tramitação ocorre em caráter terminativo, o projeto depende apenas de uma nova votação em turno suplementar na própria CCJ, uma formalidade que ocorrerá nesta quarta-feira, e não precisa nem mesmo ir a plenário, a não ser que haja recursos neste sentido.
Hoje, o artigo 283 determina que “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Se o PLS 166/2018 for aprovado, a expressão “sentença condenatória transitada em julgado” será substituída por “condenação criminal exarada por órgão colegiado”. O projeto ainda altera outros trechos do CPP para harmonizá-los com a possibilidade de início da execução da pena após condenação por colegiado.
Mudar o CPP é obrigatório, mas muito provavelmente não será suficiente; para haver segurança jurídica, será preciso mudar também a Constituição
Para que as penas possam começar a ser cumpridas após a condenação na segunda instância, essa alteração era imprescindível, pois a redação atual do CPP não deixava nenhuma dúvida quanto à necessidade do trânsito em julgado para ocorrer a prisão (exceto, evidentemente, nos casos de prisões temporárias ou preventivas). Aliás, foi justamente este texto legal o centro da mais recente discussão no Supremo Tribunal Federal a respeito da possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância: os ministros tiveram de decidir se o artigo 283 era constitucional, posição que prevaleceu por 6 votos a 5. Mas, em seu voto de minerva, o presidente da corte, Dias Toffoli, deixou claro que, se fosse a vontade do povo por meio de seus representantes eleitos no Congresso, o CPP poderia mudar. É justamente isso que o Senado está fazendo e que, espera-se, a Câmara dos Deputados também faça, consertando a mutilação feita no pacote anticrime do ministro Sergio Moro, que também previa a alteração no artigo 283 do CPP, descartada pelo grupo de trabalho.
Mudar o CPP é obrigatório, mas muito provavelmente não será suficiente. Para que haja o máximo possível de segurança jurídica a respeito da possibilidade de cumprimento da pena após a condenação em segunda instância, o Congresso também precisa aprovar mudanças na Constituição para consagrar o mesmo entendimento também na Carta Magna. Com isso, qualquer tentativa de derrubar a nova redação do artigo 283 do CPP com base na Constituição ficaria frustrada. Felizmente, as duas casas do Congresso estão trabalhando com propostas de emenda constitucional para permitir a prisão após condenação na segunda instância.
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Para evitar maiores controvérsias, a opção dos legisladores tem sido evitar PECs que alterem o artigo 5.º, preferindo outras opções. É o caso da PEC 199/2019, que está na Câmara e muda os artigos 102 e 105 da Constituição, transformando os recursos das ações penais em “ações revisionais”, independentes das ações penais; estas ficariam encerradas (ou seja, com o trânsito em julgado) na segunda instância. Enquanto isso, no Senado, a PEC 5/2019 acrescenta, no artigo 93, um inciso segundo o qual “a decisão condenatória proferida por órgãos colegiados deve ser executada imediatamente, independentemente do cabimento de eventuais recursos”. Espera-se que, com a aprovação do PLS 166/2018 no Senado e seu envio à Câmara, a casa volte a apreciar a PEC 5.
O início do cumprimento da pena com a condenação por colegiado, além de ser prática corrente em boa parte das democracias, é consistente com o processo penal brasileiro, em que a análise da culpa termina justamente na segunda instância. Os tribunais superiores, é preciso lembrar, avaliam apenas questões processuais; eles nunca podem declarar a inocência de um réu, podendo no máximo anular um julgamento caso identifiquem irregularidades, como o cerceamento de defesa ou o uso de uma prova ilícita. Não se trata, portanto, de relativizar o direito de defesa, e nenhum dos projetos atualmente no Congresso tem esse teor, garantindo inclusive o direito de recorrer às instâncias superiores. A prisão após condenação em segunda instância é a melhor solução, pois se compatibiliza com as garantias constitucionais ao mesmo tempo em que evita a impunidade decorrente de processos intermináveis e um emaranhado de recursos sem fim.