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Sede do Banco Central, em Brasília.
Sede do Banco Central, em Brasília.| Foto: Raphael Ribeiro/Banco Central do Brasil

A desconfiança do mercado financeiro em relação à política fiscal do governo federal é tanta que, na última edição do boletim Focus, as estimativas para a taxa Selic no fim de 2024 já eram idênticas à taxa em vigor, de 10,50% ao ano, indicando que não se esperava mais nenhum corte este ano por parte do Comitê de Política Monetária (Copom). Se as previsões em relação à reunião encerrada na última quarta-feira eram de manutenção dos juros, ainda havia dúvidas quanto ao placar da decisão e ao tom do comunicado. O resultado, no fim, foi o mais tranquilizador possível para quem tem consciência do buraco em que estamos metidos: todos os nove diretores do Banco Central, incluindo os quatro apontados por Lula, votaram por não alterar a Selic, e o comunicado reafirmou o compromisso do colegiado com o controle da inflação atual e com a ancoragem das expectativas futuras de inflação.

Lula tentou como pôde influenciar a decisão de quarta-feira. Em entrevista a uma rádio na terça-feira, dia inicial da reunião do Copom, o presidente afirmou que “o comportamento do Banco Central” era a única “coisa desajustada no Brasil nesse instante”. O desespero foi tamanho que o PT chegou ao ponto de anunciar uma ação judicial contra o presidente do BC, Roberto Campos Neto, pela participação em um evento do governador paulista, Tarcísio de Freitas, e pela própria taxa de juros. Se é verdade que se pode considerar muito imprudente a participação do presidente do Banco Central em eventos de cunho político, por outro lado afirmar que ela tem algo a ver com sua atuação à frente do BC é um claro non sequitur – a falácia em que as conclusões não derivam das premissas. Além disso, Campos Neto não decide a Selic sozinho, e o fato de mesmo os quatro diretores indicados por Lula terem votado pela manutenção da Selic, depois de terem aberto uma divergência significativa na reunião anterior, diz muito sobre o que realmente está desajustado no país.

É a farra de gasto ilimitado do governo petista que tem provocado a deterioração rápida das contas públicas e a desvalorização da moeda

Como no clássico provérbio, Lula, ao apontar um dedo para Campos Neto e o BC, deixa os outros apontados para si. É a farra de gasto ilimitado do governo petista que tem provocado a deterioração rápida das contas públicas e a desvalorização da moeda. Se é verdade que a manutenção de juros mais altos nas economias desenvolvidas dificulta ciclos de afrouxamento nos emergentes, que ficariam com moedas menos atrativas, é ainda mais verdadeiro que o governo, com sua política fiscal expansionista e seu arcabouço que é continuamente sabotado mesmo já prevendo aumento real de gastos todo ano, age para piorar as expectativas. Para se ter uma ideia da velocidade da deterioração, no primeiro boletim Focus de 2024 o mercado financeiro previa uma Selic de 9% ao fim do ano – 1,5 ponto porcentual a menos que a previsão atual.

O recado do Copom é resumido no parágrafo no qual “reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”. Uma mensagem que já esteve em outros comunicados, mas que Lula se recusa a ouvir, rejeitando enfaticamente qualquer conversa sobre corte de despesas, apelando a jogos de palavras para diferenciar “gasto” de “investimento”, como se em todos os casos não se tratasse de usar dinheiro que o governo não tem – e, ainda por cima, chamando de “investimentos” despesas que não são assim consideradas por nenhum manual de contas públicas, como reajustes para o funcionalismo. Um verdadeiro negacionismo econômico que cobra seu preço na necessidade de manter uma política monetária contracionista para que a inflação não escape ao controle.

A tranquilidade trazida por essa unanimidade nada burra pela manutenção da Selic, no entanto, pode ser temporária. O comportamento de um Banco Central com maioria de diretores indicados por Lula, cenário que se tornará realidade daqui a alguns meses, ainda é imprevisível, especialmente se o presidente preencher as futuras vagas abertas no Copom com nomes mais subservientes à vontade do petista. Neste sentido, já se especula que Gabriel Galípolo, que era o mais cotado para substituir Campos Neto à frente do BC no início de 2025, pode ter perdido terreno com o voto desta semana.

Lula e o PT não sabem, ou não querem saber, que os juros são efeito, e não causa. Uma política monetária contracionista é a consequência de inflação presente fora do controle ou expectativas de inflação alta no futuro próximo; e a inflação é, em grande parte, resultado de políticas fiscais frouxas ou abertamente expansionistas. Governos gastadores tiram valor de suas moedas e fragilizam suas economias, algo que mesmo os quatro indicados de Lula ao BC pareceram perceber, ao menos neste momento. Lula pode seguir esperneando o quanto quiser, mas a matemática não aceita ideologia e não existe geração espontânea de dinheiro público.

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