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Editorial

Universidade e corredor

As universidades públicas brasileiras são de fato motivo para estufar o peito. Firmaram-se num país de letramento difícil, formaram pesquisadores de ponta, projetaram a Nação em outras fronteiras, ocupam lugar de honra no imaginário, beneficiando meio milhão de jovens. Nem mesmo a saraivada de críticas a que se veem expostas – a principal delas, a de ser um gueto dos alunos endinheirados – é capaz de solapar seu brilho e lugar no desenvolvimento da Nação.

Mas não é de hoje que o modelo universitário nacional vem dando sinais extremos de cansaço. Já não se aponta o dedo tanto para os limites de vagas das universidades e para o nível socioeconômico de boa parte dos que conseguem integrá-la, mas para o que se faz dentro de cada um dos câmpus espalhados pelo país. O sistema de cotas sociais e raciais parecia ser o bastante para recuperar-lhe a boa figura. Mas dez anos passados desde que foi implantado não se pode dizer que serviu de panaceia.

O leitor atento dos jornais pode montar um quebra-cabeça, juntando aqui e ali as faúlhas de insatisfação, apontadas, não raro, por magníficos doutores e pesquisadores que gastaram seus dias de juventude e seus neurônios nalgum gabinete. Muitos deles estão esgotados. A universidade pública lhes é fado e fardo. E eis uma questão, apontada recentemente pelo acadêmico José Arthur Giannotti: as instituições não remoçaram, e os mais velhos, não raro, apresentam experiência, mas pouca disposição para a pesquisa. O preço é muito alto.

Outros diriam que o problema é o abandono do governo e o sucateamento dos laboratórios – e ninguém que tenha visto de perto a maior parte dos labirintos das 46 instituições públicas do país ousaria discordar. Há quem diga se tratar de uma meia-verdade: não é precisamente de falta de dinheiro que sofrem as universidades, mas da maneira como os reais são sugados pelos ralos. O resto vem por acréscimo: onde estiverem dois ou mais estudantes ou docentes de uma instituição pública já se sabe do que eles estão falando. Os índices de dissabores – seguido ou não de greve – correspondem ao apitaço do dia.

Ao lado da fadiga crônica das "u-efes", há algo mais – a falta de concorrência interna num momento em que o mérito, a avaliação de desempenho e outras ferramentas de melhora de performance são moeda de troca na sociedade civil. Não se trata de defender aqui que as instituições de ensino de terceiro grau devam se render ao "projeto neoliberal", para usar um termo corrente no setor. Em absoluto. Mas de entender que dois professores – um que faz jus a sua função e outro que passeie pelas salas de aula duas horas por semana não deveriam receber o mesmo salário no final do mês.

Pois é o que acontece, instalando, não raro, um desânimo geral, quando não, um repeteco das atitudes descompromissadas. Professores que embarcam em intercâmbios em universidades americanas, por exemplo, voltam encantados ao se verem parte de um modelo em que o empenho e o estudo são recompensados financeiramente, sem culpa ou pecado. E onde a parceria com a sociedade privada não é vista como um lesa-patrimônio, uma operação desmanche, um delito intelectual.

Nessa matéria, não há consenso. Há quem bata o pé, seguido de esconjuro, negando os propalados méritos da educação americana. Mas difícil sustentar que a falta de agilidade, a burocracia e o clientelismo interno fazem com que as universidades públicas brasileiras se vejam, constantemente, com os cadarços do tênis amarrados um ao outro, num caso típico de autossabotagem. Com quadro modelar de professores, alunos seletos, tropeça na própria perna. Já se falou tanto a respeito que a conversa provoca toda sorte de apatia – mas pouco sobre um dos calos que levam ao mau funcionamento: a aparelhagem ideológica.

A estrutura de funcionalismo e a resistência que as instituições federais representaram ao regime militar acabaram por trazer um efeito colateral, uma certa fissura de esquerda tomando conta dos corredores e da rotina das faculdades. Em outras palavras, a confusão entre salas de aula, pátios e palanques políticos é uma grande paçoca. O clima algo sindical pode, com frequência, se apropriar das decisões mais simples, cujo arbítrio caberia ao professor e à sua autoridade nos programas de ensino.

A imprensa acaba de divulgar o caso da UnB. Na opinião de uns tantos e renomados professores da casa, a democracia só vale se houver concordância com os ditames do "grupo dominante". O ensino – que exige constância e uma dose mínima de disciplina, claro, se esfacela diante das arenas que se formam a cada dia, da sala de aula ao corredor, passando pelos pátios e gabinetes.

A Universidade de Brasília – diz-se, converteu-se num campo minado. Vai explodir como um bueiro carioca. Não causa espanto se outras, no encalço dela, hão de colocar a boca no trombone, denunciando estarem cansadas da partidarização do ensino público de terceiro grau.

É um primeiro momento. Mas há de se concordar que vai ser difícil mexer nessa cultura alimentada por décadas. A expressão "reforma universitária", sabe-se, mexe com os demônios. Dá calafrios imaginar a sorte de quem a proponha noutros moldes. Resta saber se o governo Dilma – que recebeu nas urnas apoio expressivo das instituições – vai ousar meter o bedelho no próprio quintal.

Não se pede da presidente um desmanche. Mas que a universidade pública – espelho para todas as outras – esteja em bom estado nesse momento em que milhões de brasileiros da da classe C chegam às universidades. É um instante histórico na nossa mobilidade social e cultural. São cerca de 2 mil instituições privadas – dando conta do país. Elas ainda não gozam de credibilidade, haja vista os 88% de reprovação na última prova da OAB. As públicas se saíram melhor. Pede-se que assim permaneçam, carregando outras atrás. E pedir não ofende. É da vida.

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