A recém-empossada Assembleia Nacional da Venezuela começa seu mandato com a responsabilidade de colocar o país nos trilhos da democracia e do desenvolvimento econômico. Já seria uma tarefa extremamente complicada devido, no plano interno, à deterioração econômica e à grave crise de desabastecimento em que vive o povo venezuelano e, no plano externo, à queda acentuada do preço do barril do petróleo, que secou a fonte fácil para obtenção de divisas estrangeiras. Mas a Assembleia Nacional, de maioria oposicionista, precisa lidar com um problema adicional e de natureza imprevisível – o gênio ardiloso de seu ditador, o presidente Nicolás Maduro.
Maduro vai jogando no colo da oposição a culpa por não encontrar saídas para a crise que ele próprio ajudou a construir
O batismo de fogo começou na semana passada com o parlamento venezuelano rejeitando o decreto de Maduro que pretendia instituir o “estado de emergência econômica”, medida que permitiria a expropriação de patrimônio privado para combater o desabastecimento e o remanejo de recursos do orçamento sem precisar passar pelo parlamento, entre outras medidas que pouco foram detalhadas.
A partir de agora começa um jogo perigoso que pode vir a ser dominado pelo imponderável. Maduro acusa a oposição de dar “as costas ao país” no enfrentamento da crise econômica, de recusar o diálogo que ele oferece de “boa vontade” e de preferir “o caminho do confronto improdutivo”. Assim, Maduro vai jogando no colo da oposição a culpa por não encontrar saídas para a crise que ele próprio ajudou a construir.
Essas declarações, vindas de quem vem, um homem conhecido por preferir resolver disputas políticas na base da mão pesada do Estado, devem levar os parlamentares venezuelanos a serem cautelosos em suas relações com o ditador. A conjuntura econômica do país é bastante delicada e deve continuar a se deteriorar ao longo deste ano, tornando ainda mais difícil a vida população. A previsão do Fundo Monetário Internacional é que a inflação da Venezuela chegue a 720% em 2016 e que o PIB tenha uma queda de 8%.
Maduro sabe que já não mais conta com o apoio maciço do povo venezuelano. Foi por essa razão que, forçado pelos militares, abriu o diálogo com a oposição na Assembleia Nacional. Sabe também que uma piora da economia certamente vai levar a mais descontentamento popular. É difícil dizer se o discurso bolivariano – já não mais tão atraente quanto no passado – vai ser suficiente para mobilizar parcela expressiva da população em seu favor.
E se forem concretizadas as projeções da economia para este ano, certamente o descontentamento popular irá aumentar.
Nessas circunstâncias, vendo suas possibilidades de manobrar a população e de coagir oposicionistas se esgotando é de se indagar o que Maduro fará. Se hoje já existe o risco de endurecimento do regime pela simples não aceitação de seu plano perante a Assembleia Nacional, o que dirá em um contexto no qual não veja saídas suaves para se manter no poder. O cenário que se avizinha na Venezuela é bastante grave e precisa ser tratado com a devida seriedade pelos membros da comunidade latino-americana, em especial por países de relevância regional, como a Argentina e o Brasil.
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