“Nicolás Maduro e seus asseclas já deram mostras suficientes, ao longo de muitos anos, de que, quando acenam com algum tipo de concessão, é preciso ver para crer” – foi com essas palavras que encerramos, neste mesmo espaço, um comentário sobre o acordo entre o ditador venezuelano e a oposição, celebrado na ilha caribenha de Barbados com mediação norueguesa. Pois a farsa bolivariana não durou nem dez dias.
No domingo imediatamente seguinte à assinatura do acordo, 22 de outubro, a oposição democrática venezuelana realizou suas primárias, vencidas por María Corina Machado de forma incontestável, com mais de 90% dos votos. No entanto, logo depois das primárias, a ditadura reagiu atacando em pinça. Primeiro, o Ministério Público venezuelano – subserviente ao chavismo, assim como todas as demais instituições do país – iniciou uma investigação na quarta-feira seguinte ao pleito (dia 25), alegando suspeitas de fraude. E, na última segunda-feira, dia 30, o Tribunal Supremo de Justiça venezuelano anulou as primárias.
Maduro tem nas mãos o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público, o aparato militar e paramilitar; o povo venezuelano, mesmo insatisfeito, não pode fazer nada, desarmado e enfraquecido. A pressão internacional é tudo o que resta
O TSJ atendeu a um pedido de José Brito, que se apresenta como oposicionista, mas na verdade é uma figura bastante controversa. Em 2019, Brito fora expulso do Primeiro Justiça, uma das principais legendas de oposição, por acusações de corrupção; mas, no ano seguinte, se tornou coordenador nacional do partido quando o Judiciário venezuelano “expurgou” líderes de várias legendas e colocou outros nomes no comando dos partidos. A mudança foi revogada meses depois, mas todo o episódio mostrou que Brito seria parte de uma espécie de “oposição consentida” a Maduro: alguém que, no fundo, não incomodaria a ditadura. A alegação formal de Brito para anular as primárias era a de que ele pretendia ter participado do processo de escolha; no entanto, ele não pertencia a nenhum dos partidos que organizaram as primárias – um detalhe que, para o Judiciário bolivariano, obviamente não importaria de qualquer maneira. Afinal, como o próprio Maduro já havia endossado as acusações contra as primárias, o desfecho era bastante previsível.
E, se não fosse o pretexto fornecido por Brito, a Justiça chavista certamente haveria de achar outra desculpa. A mais evidente seria o status de María Corina, que no papel está inelegível graças a uma outra decisão arbitrária de junho deste ano que atingiu não apenas a ela, mas também a outros nomes importantes da oposição democrática venezuelana, como Henrique Capriles e o ex-presidente interino Juan Guaidó. O texto do acordo de outubro diz apenas que “o registro para a eleição presidencial será aberto a todos os candidatos que cumpram os requisitos constitucionais”, sem menção a nomes específicos nem às inelegibilidades de junho. Mesmo assim, a revogação da inelegibilidade de María Corína seria um primeiro teste a respeito das reais intenções de Maduro; ela era esperada pelas autoridades norte-americanas, que aparentemente a incluíram como condição para manter suspensas as sanções ao setor de petróleo e gás venezuelano, mas já havia sido rechaçada pelo chefe da delegação bolivariana nas negociações de Barbados.
Até agora, a reação norte-americana se limitou a ameaças de retomada das sanções, mesmo que Maduro já tenha deixado a máscara cair de forma bastante explícita. Uma demora maior na resposta de Washington é conveniente para que os Estados Unidos tenham um fornecedor alternativo de petróleo enquanto a Rússia mantém sua agressão contra a Ucrânia, e é ainda mais conveniente para o ditador, que vê recompensada sua estratégia de fingir a busca por conciliação para ganhar tempo. Maduro tem nas mãos o Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público, o aparato militar e paramilitar; o povo venezuelano, mesmo insatisfeito, não pode fazer nada, desarmado e enfraquecido. A pressão internacional é tudo o que resta e, como os democratas venezuelanos já não podem contar com o Brasil, vergonhosamente aliado a Maduro, é fundamental que outras democracias ocidentais mantenham sua condenação ao regime bolivariano.
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