Uma nova rodada de negociações entre representantes do ditador venezuelano, Nicolás Maduro, e das forças democráticas do país, lideradas pelo presidente interino Juan Guaidó e pelo ex-candidato presidencial Henrique Capriles, começou nesta sexta-feira no México, com patrocínio do governo norueguês. A comunidade internacional tem feito o possível para encerrar o drama humanitário causado pelo “socialismo do século 21” em um país que, apesar de ter as maiores jazidas de petróleo do mundo, sofre com miséria generalizada, catástrofe sanitária causada pela Covid-19 e violência política em altíssimo grau, promovida pelas forças leais ao ditador. No entanto, a julgar pelas disposições iniciais, a chance de sucesso parece ainda mais remota agora que em outras negociações semelhantes ocorridas no passado recente.
Maduro, o governante de fato da Venezuela, está em posição muito mais confortável em comparação com as outras ocasiões nas quais seus emissários negociaram com Guaidó, o governante de direito. Os protestos de rua, massivos até 2019, perderam força; a cúpula das forças armadas, irrigada com dinheiro do petróleo – na melhor das hipóteses, já que se acredita haver também conexões entre o regime bolivariano e o tráfico de drogas –, segue leal ao ditador e não dá sinais de que possa mudar de lado; na América Latina, o retorno da esquerda ao poder em alguns países enfraqueceu o Grupo de Lima, que perdeu membros importantes como a Argentina.
Por mais que Maduro e os chefões bolivarianos mereçam o banco dos réus em um tribunal internacional por tudo o que fizeram e fazem ao povo venezuelano, uma transição negociada precisaria deixar alguma porta de saída ao ditador
O ditador sabe disso, e por isso não teve pudor em impor condições para o diálogo, algumas das quais bastante surreais: o fim das sanções americanas e europeias; o reconhecimento, por parte das forças democráticas, de todas as instituições políticas comandadas pelo regime; o fim da “violência como mecanismo de coação usado por alguns elementos da direita e extrema-direita”; e que as negociações incluam todos os setores políticos, em uma referência a grupos teoricamente contrários a Maduro, mas que aceitaram participar da última farsa eleitoral promovida pelo ditador. Quem condiciona o diálogo dessa forma não quer diálogo, mas a rendição do adversário. Como Guaidó e seus aliados poderiam, por exemplo, reconhecer uma Assembleia Constiuinte e uma Assembleia Nacional eleitas de forma ilegítima e fraudulenta? Fazê-lo representaria até mesmo abrir mão da base legal para que Guaidó se proclame presidente interino, na condição de chefe do Poder Legislativo legítimo venezuelano, eleito em 2015.
Tal reconhecimento tornaria ainda mais difícil, aliás, aquele que tem sido o objetivo maior das forças democráticas: a realização de eleições livres e justas para o Executivo e o Legislativo do país. Em ocasiões anteriores, Guaidó já propôs que essas eleições não contassem com a participação nem dele, nem de Maduro, mas o ditador não aceitou a ideia nem mesmo quando estava em posição mais frágil; improvável que concorde com ela agora, quando está mais fortalecido. E, por mais que Maduro e os chefões bolivarianos mereçam o banco dos réus em um tribunal internacional por tudo o que fizeram e fazem ao povo venezuelano, uma transição negociada precisaria deixar alguma porta de saída ao ditador. O exílio em algum país socialista, por exemplo, seria um preço tolerável a pagar se trouxesse de volta a democracia à Venezuela, mas tampouco parece plausível que Maduro aceite deixar o poder agora, em troca de algum tipo de anistia para si e seu círculo mais próximo.
Maduro já usou rodadas de negociação com as forças democráticas da Venezuela como mera forma de ganhar tempo e reorganizar suas forças para intensificar a repressão que tem caracterizado o regime nos últimos anos – até o papa Francisco já reconheceu a desonestidade do ditador em uma carta na qual respondia negativamente a um novo pedido de mediação, após negociações frustradas patrocinadas pelo Vaticano. As condições atuais levam a crer que o roteiro tem tudo para se repetir no México: a comunidade internacional manterá a pressão, Maduro resistirá e exigirá de seus adversários o que eles não têm como aceitar, e o impasse permanecerá, impondo aos venezuelanos mais sofrimento e miséria sob o tacão do bolivarianismo. Mas é preciso seguir insistindo e pressionando, quantas vezes for necessário; o povo venezuelano, pobre, faminto e indefeso, não pode ser abandonado à própria sorte.
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