Nem livres, nem limpas – a rigor, nem mesmo de “eleições” é possível chamar a farsa que o governo ditatorial de Nicolás Maduro está armando no fim de julho para dar um verniz de legitimidade ao posto que ocupa desde 2013. Encerrado o prazo para que os interessados em participar de todo o processo se inscrevam, ficou comprovado acima de qualquer suspeita que Maduro só permitirá que “concorram” contra ele os que o próprio ditador autorizar, seja porque não são oposição verdadeira, seja porque são irrelevantes demais para aglutinar em torno de si os venezuelanos insatisfeitos com toda a miséria produzida pelo chavismo.
Não bastou a Maduro e aos órgãos eleitorais que lhe são subservientes barrar arbitrariamente María Corina Machado, vencedora incontestável das primárias da oposição e a única que poderia de fato ter alguma chance real de destronar o ditador caso a votação fosse limpa, o que de antemão já não se pode dar como certo, nem mesmo como provável. O chavismo impediu até mesmo a inscrição de uma candidatura alternativa. A professora Corina Yoris, 80 anos, foi escolhida para o lugar de María Corina e não tinha nenhum impedimento que a tornasse inelegível. Mesmo assim, a Plataforma Unitária Democrática (PUD), uma coalizão de partidos oposicionistas, teve bloqueado o acesso ao sistema informatizado do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) em que as candidaturas deveriam ser registradas.
Para Lula, o melhor desfecho possível é a manutenção de Maduro no poder, e por isso não faz a menor diferença para o petista se a pseudoeleição de julho não terá os candidatos que a população venezuelana elegeu para representar as forças democráticas
Com isso, a pseudoeleição terá apenas Maduro e outros candidatos que nem de longe terão o apelo de María Corina. O mais próximo de uma oposição democrática a figurar nas cédulas de “votação” será Manuel Rosales, governador do estado de Zulia e filiado ao partido Um Novo Tempo, membro da PUD e que conseguiu acesso ao sistema do CNE. Rosales já disputou a presidência da Venezuela em 2006, perdendo para Hugo Chávez, mas até o momento María Corina não manifestou apoio a Rosales, até porque parte da oposição enxerga com suspeita a trajetória do governador e o fato de o Um Novo Tempo ter conseguido o acesso ao sistema do CNE nos últimos minutos do prazo, enquanto outras legendas oposicionistas não tiveram essa possibilidade. “O regime escolheu seus candidatos”, afirmou María Corina na terça-feira, em entrevista coletiva na sede de seu partido, o Vente Venezuela.
Como já ocorreu outras vezes, a oposição democrática venezuelana se vê encurralada. Boicotar a farsa, como já ocorreu em outras ocasiões, entrega nas mãos de Maduro um argumento para usar interna e externamente contra os mais incautos, o de que a oposição teve a chance de disputar uma eleição, mas a recusou. Participar do processo, por outro lado, traz o risco de chancelar o que é claramente um jogo de cartas marcadas sem chance alguma de vitória, permitindo a Maduro dizer que a oposição competiu, mas perdeu, e que o povo não quis os adversários do chavismo. Evidentemente, quem acompanha o drama venezuelano com um mínimo de sensatez e sabe das fraudes e de todas as dificuldades impostas às forças democráticas da Venezuela não cairia nem em uma, nem em outra das mentiras do ditador; no entanto, infelizmente ainda há muitos, dentro e fora do país, que acreditam ou fazem força para acreditar que ainda pode haver eleições livres e limpas na ditadura chavista.
A reação internacional, que não tardou a vir, demonstra essa diferença de percepção. Com o prazo para o registro ainda em andamento, sete países latino-americanos assinaram nota pedindo que Corina Yoris tivesse sua candidatura aceita. Já o Brasil se manteve calado até esta terça-feira, quando o Itamaraty soltou uma nota tão vergonhosa que teria sido melhor manter o silêncio. No máximo, afirma que o bloqueio ao nome de Yoris “não é compatível com os acordos de Barbados”, e só – como se a inabilitação de María Corina já não afrontasse os acordos assinados no ano passado. De resto, segundo o texto, o Brasil espera que a farsa de 28 de julho “constitua um passo firme para que a vida política se normalize e a democracia se fortaleça na Venezuela” – atenção para a escolha absurda de palavras, que pressupõe a existência de uma “democracia” no país vizinho que sairia “fortalecida”. Por fim, o Itamaraty ainda “reitera seu repúdio a quaisquer tipos de sanção”, referindo-se à única medida que a comunidade internacional pode tomar no momento para pressionar Maduro.
É evidente que a nota e o esperneio da chancelaria venezuelana são apenas uma tentativa de apaziguar os crédulos. Para Lula, o melhor desfecho possível é a manutenção de Maduro, seu amigo e aliado, por tempo ilimitado no poder. As justas reclamações dos oposicionistas não passam de “choro”, segundo o petista, e por isso não faz a menor diferença para Lula se a pseudoeleição de julho não terá os candidatos que a população venezuelana elegeu para representar as forças democráticas. Podemos dar como certo que, uma vez concretizada a farsa e “contados os votos”, Lula enviará os parabéns a Maduro por sua “reeleição”, e não deixará de ir a Caracas caso o ditador queira uma cerimônia de “posse”. E, mais uma vez, o povo pobre, indefeso e faminto da Venezuela, ao ver seu algoz abraçado com o presidente brasileiro, haverá de se perguntar como foi possível que tantos tenham caído no conto do “Lula democrata” em 2022.
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