Os governadores do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, alguns dos estados mais endividados do país, reclamaram bastante dos vetos presidenciais a trechos de uma lei aprovada no Congresso Nacional para a renegociação das dívidas desses e de outros estados. Mas, a bem da verdade, reclamam de barriga cheia: mesmo com os vetos, os termos do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) continuam a ser muitíssimo camaradas, praticamente um prêmio a gestores presentes ou passados que apostaram na gastança, alguns deles sob a inspiração evidente do presidente Lula em seus dois primeiros mandatos.
O Propag foi desenhado por Rodrigo Pacheco, presidente do Senado que tem ambições de disputar o governo de Minas Gerais em 2026, o que explica a manutenção do que já virou uma tradição brasileira quando o assunto é a renegociação das dívidas dos estados: termos lenientes e contrapartidas pífias. Um exemplo é a redução no indexador pelo qual as dívidas são corrigidas – atualmente, a correção é feita pelo IPCA mais 4 pontos porcentuais, mas este acréscimo ao índice de inflação poderá ser até mesmo zerado caso os estados realizem determinada quantidade de investimentos em áreas escolhidas pelo governo federal, como o ensino médio técnico. Essa redução no indexador pode tirar da União, no médio e longo prazo, algumas dezenas de bilhões de reais.
Sem uma proibição legal dos velhos vícios, quem haverá de acreditar que o Propag terá resultado diferente de tantos outros programas de renegociação semelhantes, e que falharam no passado?
Os estados ainda poderão abater parte de suas dívidas caso entreguem à União empresas estatais hoje sob gestão dos governos estaduais. Assim, os governadores, em vez de privatizar essas companhias, poderão simplesmente entregá-las a Lula – a sabe-se lá que preço. A chance de desastre é dupla: primeiro, porque as empresas terão seus cargos de comando devidamente loteados por um governo que tem dificuldades em consolidar uma base aliada no Legislativo; segundo, porque o modelo petista de gestão de estatais tem demonstrado repetidamente ser um enorme fracasso, a julgar pelos sucessivos rombos, dos quais o de 2024 foi recorde absoluto.
Investimentos direcionados e federalização de empresas estaduais são, portanto, as únicas exigências feitas para que os estados entrem no Propag e renegociem suas dívidas a juros reduzidos com prazos bastante dilatados. O que mais precisarão fazer? Absolutamente nada. Medidas de ajuste fiscal, redução de gastos, reformas nas previdências estaduais, eliminação de desperdícios e privilégios para o funcionalismo, travas para as despesas com pessoal? Nada disso está no radar, nem como condição para aderir ao Propag, nem como medida necessária para se manter no programa. Sem uma proibição legal dos velhos vícios, quem haverá de acreditar que o Propag terá resultado diferente de tantos outros programas de renegociação semelhantes, e que falharam no passado?
O governador mineiro, Romeu Zema, tem razão quando diz que “o Planalto mantém 39 ministérios, viagens faraônicas, gastos supérfluos no Alvorada e um cartão corporativo sem transparência”; é compreensível que o gaúcho Eduardo Leite se queixe diante da necessidade de recursos para reconstrução do Rio Grande do Sul, devastado pelas enchentes de meados do ano passado; o fluminense Cláudio Castro já tem menos credenciais para reclamar de qualquer coisa, tendo burlado termos do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e apresentado propostas irreais no passado. Mas o fato é que os vetos presidenciais não mexeram na essência do Propag, que não deixou de ser algo bastante conveniente para os estados endividados.
Como o caso do monitoramento do Pix virou uma enorme derrota para o governo Lula
Big Brother tributário: revogação de norma do Pix não reduzirá fiscalização da Receita
Mesmo com vetos, Propag ainda é ótimo negócio para estados endividados
AGU age como braço jurídico do governo, mas não tem competência para processar a Meta