“Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar”, disse, em janeiro, a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT – depois, ela tentou atenuar a frase, dizendo que havia usado “força de expressão”. Poucos dias depois, em vídeo publicado nas mídias sociais, o também senador Lindbergh Farias também defendeu que a esquerda deve estar preparada para “o enfrentamento e as lutas de rua”: “o caminho agora é outro”, disse, rejeitando as vias institucionais. De lá para cá, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região confirmou a condenação de Lula, aumentando sua pena; o Superior Tribunal de Justiça rejeitou por unanimidade um habeas corpus preventivo, e o Supremo Tribunal Federal deveria ter feito o mesmo, mas jogou a definição para 4 de abril, com direito a um salvo-conduto para Lula; e o TRF-4 rejeitou os embargos de declaração impetrados pela defesa do ex-presidente. Isso significa que, se o STF rejeitar o habeas corpus na próxima semana, a prisão de Lula estará próxima.
Por isso, os petistas voltaram a pregar o uso da força para se opor à Justiça e à aplicação da lei. Desta vez, o ex-ministro Gilberto Carvalho prometeu um “escudo humano” com o objetivo de impedir que Lula seja levado para a cadeia. “O mínimo que podemos fazer é demonstrar nossa força física”, afirmou Carvalho, antes de acrescentar um “mínima” e desconversar, falando de um “escudo simbólico”, mas martelando a ideia de resistência. “Quem tem as armas são eles, não temos nem um canivete nas mãos”, continuou. Ora, natural que seja o Estado a ter as armas, pois é a ele que cabe o monopólio do uso da força, e que os petistas, assim se espera, não as tenham. Seria o cúmulo do absurdo que o petismo se transformasse em milícia armada para defender Lula. Mas também se percebe, na comparação de Carvalho, a continuação da narrativa que pretende descrever Lula e seu entorno como vítimas indefesas de um aparato estatal repressor – depois da “perseguição política” de procuradores e juízes, viria a ação violenta de forças de segurança, que teriam de usar a força para romper a “resistência pacífica” em torno do ex-presidente condenado.
Responder ao discurso petista na mesma moeda, por meio da agressão, é abrir mão da convivência democrática
Nada disso é novidade para Carvalho. “Eu temo muito por um processo que nos leve ao que acontece na Venezuela, porque você vai levar ao processo de justiçamento, de justiça com as próprias mãos, e haverá um ódio progressivo”, disse em entrevista concedida em 2016, ao comentar a possibilidade de a Operação Lava Jato pegar Lula. Quando era ministro, Carvalho chegou a se reunir com black blocs pouco antes da Copa do Mundo, tratando-os como interlocutores legítimos mesmo depois de suas táticas violentas e do assassinato do cinegrafista Santiago Andrade. Naquele mesmo ano, Carvalho patrocinou um encontro entre militantes do MST e Dilma Rousseff, como “prêmio” aos sem-terra por terem tentado invadir, no mesmo dia, o Supremo e o Palácio do Planalto, ferindo dezenas de policiais no processo.
Todo esse flerte – ou, em alguns casos, namoro e até noivado – do petismo com a violência, no entanto, não nos autoriza a dizer que o PT “colheu o que plantou” (como fizeram, de forma profundamente infeliz, os tucanos Geraldo Alckmin e João Doria; o governador paulista se retratou posteriormente), depois dos tiros disparados contra dois ônibus da caravana de Lula no Paraná, na noite de terça-feira. O episódio tem de ser investigado com todo o rigor, ignorando tanto a irresponsabilidade de “especialistas em balística” que passaram a tomar as mídias sociais levantando teorias da conspiração quanto a irresponsabilidade de petistas que parecem já saber quem foi o responsável pelos disparos, em alguns casos fazendo acusações públicas.
Leia também: As bravatas de Gleisi (editorial de 13 de março de 2018)
Leia também: Baderna patrocinada (editorial de 2 de março de 2014)
O discurso de ódio e divisão, violento e polarizador, é característica do petismo, que não poucas vezes foi além das palavras, partindo para a ação. Responder a ele na mesma moeda, por meio da agressão, é abrir mão da convivência democrática e validar os métodos defendidos pela cúpula petista – que, diga-se de passagem, espera mesmo é que haja aloprados entre seus adversários, dispostos a proporcionar a Lula e seus seguidores a oportunidade de se vitimizar. Diante da provocação, da agressão, do desprezo à lei e aos que a fazem cumprir, a resposta é a confiança na Justiça e nas forças de segurança – mesmo quando o Estado parece vacilar em sua pretensão de punir, como ocorreu com o salvo-conduto oferecido a Lula pelo Supremo –, e não a vingança cega que rebaixa quem a pratica.
Como Bolsonaro se prepara para reagir ao indiciamento por suposto golpe
Corte de gastos do governo: quais as medidas que Haddad pode anunciar nesta quarta
Mentor do golpe ou quem o impediu: as narrativas em torno de Bolsonaro após indiciamento
“Era atendimento religioso”, diz defesa de padre indiciado com Bolsonaro
Deixe sua opinião