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Uma boa maneira de se avaliar uma administração pública é analisar o que diz o governante a respeito de questões relevantes. A entrevista concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Folha de S.Paulo, publicada nesta quinta-feira, é um grande contribuição para se mergulhar nessa tarefa.

Instigado a explicar sua visão de que a imprensa nacional só enxerga aspectos negativos do Brasil, enquanto a estrangeira louva o país, Lula refutou a argumentação do repórter, de que a mídia local é crítica porque conhece melhor a realidade brasileira. E revelou sua visão limitada acerca da mídia ao dizer que o papel da im­­prensa não é fiscalizar, mas apenas informar. Talvez seja esse o ponto de vista a explicar por que o presidente brasileiro considera Cristina Kirchner uma grande presidente, como declarou. Como se sabe, não têm sido poucas as arbitrariedades do governo argentino contra a imprensa.

Há algumas semanas, centenas de fiscais federais invadiram a sede do jornal Clarín, que faz oposição aos Kirchner, em evidente ato intimidatório. No começo do mês, mais uma cartada: pressionado pelo governo, o Congresso da Argentina aprovou uma lei que coloca a concessão de li­­cenças para emissoras de tevê e rádio sob estrito controle estatal.

Manuel Zelaya, o presidente deposto de Honduras, não chegou a merecer afagos, mas a diplomacia brasileira, alvo de críticas pela má condução da crise hondurenha, foi poupada. "Só tem um exagero em Honduras. É o golpista." Para o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, que tem recorrentemente negado o Holocausto, nenhuma crítica: "Não estou preocupado com judeus nem com árabes. Estou preocupado com a relação do Estado brasileiro com o Estado iraniano", afirmou.

No plano nacional, Lula falou sobre sua aproximação com José Sarney, presidente do Senado, Fernando Collor e Jader Barba­­lho, ícones da velha política, marcada pelo nepotismo, pela corrupção e pelo tráfico de influência. "Não tenho relações de amizade, mas institucionais", afirmou.

Com as declarações que se seguiram, Lula mostrou que tem pressa em sepultar de vez o escândalo dos atos secretos do Senado, que colocou Sarney sob os holofotes. Nada disse sobre a sequência de denúncias, que levou o jornal O Estado de S. Paulo a ser proibido de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica, da Polí­­cia Federal. Nela, a PF investiga o filho do presidente do Senado. Ao apoiar publica­­men­­te Sarney mais uma vez, Lula mostra que o cerceamento ao jornal não o incomoda, embora ele tenha, na mesma entrevista à Folha, afirmado ser "amante da de­­mocracia e da liberdade de imprensa". Tam­­bém parece não afetá-lo o fato de que a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal contra o Estadão partiu de um de­­sembargador próximo da família Sarney. No auge das acusações contra o presidente do Senado, Lula chegou a disparar, em ní­­tida afronta à democracia, que Sarney não poderia ser tratado como um cidadão co­­mum. Mesmo hoje, depois de tantas críticas quanto ao corporativismo que a ex­­pres­­são encerra, recusa-se a negar a assertiva ao mesmo tempo em que pavimenta seu próprio futuro: "Não se pode banalizar a figura de um ex-presidente".

Mais adiante, na entrevista, Lula deu mais pistas aos que querem compreender a lógica de suas alianças políticas. "Entre o que se quer e o que se pode fazer tem uma diferença do tamanho do Oceano Atlân­­tico. Se Jesus Cristo viesse para cá e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão", declarou o presidente. A frase expressa um pensamento que está bastante materializado no governo de Lula. Um pensamento segundo o qual a bandeira da ética, empunhada durante anos pelo PT, serve para arrebanhar seguidores, mas não para a vida prática. Para o partido, vale tudo em troca do apoio para suas ideias e da ocultação de suas faltas. Vão-se os valores, fica o poder.

Diante desse quadro, não há surpresas na defesa que Lula faz da campanha disfarçada de fiscalização e inauguração de obras públicas, atacada nesta semana pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes. É realpolitik à moda petista.

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