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Editorial

Putin, o ditador “reeleito”

Vladimir Putin venceu as eleições russas realizadas de 15 a 17 de março, em pleito amplamente denunciado como fraudulento e sem liberdade. (Foto: EFE/EPA/Alexander Zemlianichenko)

Basta o mínimo de bom senso para saber que, embora toda democracia tenha eleições, nem todo regime que organiza eleições é democrático apenas por causa disso. A democracia pressupõe uma série de outros elementos, como o império da lei, a separação de poderes, o devido processo legal, e a existência de garantias e liberdades típicas de um regime democrático como as liberdades de expressão, de imprensa e religiosa – e estes são apenas os itens principais de uma lista bem mais extensa. Mesmo as eleições também precisam obedecer a uma série de critérios: precisam ser limpas – ou seja, sem fraude de tipo algum – e livres, em que a oposição possa escolher seus candidatos e fazer campanha livremente.

Quando estes elementos não estão presentes, não hesitamos em dizer que estamos diante de uma ditadura. É o caso da Rússia, que acaba de “reeleger” Vladimir Putin para um novo “mandato” de seis anos, ao fim do qual ele terá acumulado mais de três décadas no poder – incluindo o breve período de quatro anos em que mandou na Rússia de facto como primeiro-ministro de Dmitri Medvedev, o fantoche que colocou na presidência, já que Putin não podia se reeleger, empecilho removido em 2020. Quando puder disputar uma nova “eleição” em 2030, Putin já terá superado todos os seus antecessores que comandaram ditatorialmente a União Soviética comunista – o mais longevo deles, Josef Stalin, governou de 1924 a 1953.

Putin faz parte de um grupo especialmente seleto de ditadores: aqueles que têm poder para colocar em risco todo o planeta

Se Nicolás Maduro, Daniel Ortega, Miguel Díaz-Canel e Xi Jinping são ditadores, Putin também o é, e assim a Gazeta do Povo passa a tratá-lo. Seu regime, que persegue jornalistas e controla o fluxo de informação dentro do país, cala qualquer tipo de dissidência e se livra de opositores por meio do assassinato puro e simples não deve em nada aos da Venezuela, Nicarágua, Cuba ou China. O teatrinho eleitoral recém-encerrado contou apenas com uma oposição consentida e inofensiva, a ponto de meses atrás o porta-voz presidencial, Dimitri Peskov, ter chamado o processo eleitoral de “burocracia cara” e antecipado que Putin venceria com 90% dos votos – o número divulgado pelas autoridades eleitorais é ligeiramente menor, 87%. Nem mesmo o sigilo do voto foi respeitado, como bem demonstra o caso da eleitora presa por anular seu voto com um protesto contra a invasão da Ucrânia.

As autênticas democracias responderam à farsa russa com condenação ou com sarcasmo, como fez Charles Michel, presidente do Conselho Europeu (parte do braço executivo da União Europeia), ao usar as mídias sociais no primeiro dos três dias de votação para “felicitar Vladimir Putin por sua vitória esmagadora nas eleições que se iniciam hoje”. Já os cumprimentos de diversas outras nações foram bem mais sinceros. Cumprindo o dito inglês “it takes one to know one”, ditadores e outros líderes com ojeriza à democracia correram para parabenizar um dos seus: Maduro, Díaz-Canel, Xi e o norte-coreano Kim Jong-un enviaram mensagens, assim como também fizeram Lula e o PT. A presidente de Honduras, Xiomara Castro, também parabenizou o russo e, como o país exerce temporariamente a presidência da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), a entidade precisou se manifestar como forma de distanciamento, em nota que contou com o apoio de diversos países-membros, mas não do Brasil.

As críticas do Ocidente democrático também se justificam porque Putin faz parte de um grupo especialmente seleto de ditadores: aqueles que têm poder para colocar em risco todo o planeta. Com toda a certeza, o russo é hoje a maior ameaça à estabilidade e à segurança do continente europeu, e certamente figura entre as maiores ameaças à paz mundial ao lado de uma China que também tem seus interesses expansionistas e de uma Coreia do Norte e um Irã que têm (ou terão em breve) os meios de se lançar em uma aventura nuclear. Frear Putin, então, terá consequências que vão muito além da Ucrânia ou da Europa, pois trata-se de desestimular ambições em todo o mundo, incluindo as das atuais superpotências como a China.

Com os ditadores amigos e outros aliados e entusiastas ajudando a Rússia a contornar as sanções econômicas impostas pelo Ocidente, a única solução realmente efetiva é a intensificação da ajuda à Ucrânia para que os agredidos consigam, enfim, repelir os invasores e proteger sua integridade territorial – e o enfraquecimento interno de Putin já poderia vir antes de uma vitória definitiva ucraniana, bastando a sensação real e generalizada entre os russos de que ele está levando seu país para o buraco e seus jovens soldados para o cemitério. No entanto, os ucranianos continuam à espera das armas e dos recursos que lhes permitam manter a resistência, e os republicanos nos Estados Unidos, incapazes de perceber as dimensões globais de uma eventual vitória russa, continuam impondo dificuldades à aprovação de um robusto pacote de ajuda. Os líderes democráticos podem e devem condenar a “eleição” russa quantas vezes quiserem, mas, se suas ações não acompanharem suas palavras, o ditador seguirá fortalecido.

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