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Editorial 1

Voltar atrás? Nunca mais!

Faz alguns dias que o governador Roberto Requião passou a atacar o Ministério Público do Paraná, dizendo que é ridícula a ação civil pública ajuizada pelos promotores de Justiça na qual pedem decisão judicial que determine a demissão de todos os parentes do governador, do vice-governador e dos secretários de Estado que ocupam cargos públicos comissionados. Não bastante o pejorativo, o governador comparou o salário médio do Ministério Público com o das universidades estaduais, apontando R$ 13 mil e R$ 2,1 mil, respectivamente. Na seqüência, na "escolinha" do dia 21, o governador lançou ao Ministério Público o desafio de expor na internet, no prazo de 15 dias, toda a sua estrutura funcional e os salários. No mesmo dia, alguns deputados estaduais sinalizaram a intenção de aprovar uma lei estadual restringindo a atuação dos promotores de Justiça, concentrando no procurador-geral de Justiça, chefe do Ministério Público, nomeado pelo governador, a legitimidade para ir à Justiça contra as autoridades do primeiro escalão. Além disso, os deputados estaduais indicaram que pretendem, ao votar a lei do orçamento do estado para 2008, reduzir pela metade as verbas do Ministério Público.

A desagradável sensação de déjà vu é inevitável: ao longo da carreira pública. Sua Excelência desferiu incontáveis ataques às instituições que cumprem, entre outras funções, o papel de equilibrar as relações de poder político, no sistema de freios e contrapesos. Esses ataques nunca fizeram parte de um projeto político de tornar efetivamente eficiente e republicano o conjunto dos serviços públicos a encargo do estado do Paraná; foram, em geral, populistas e mantenedores do status quo, tanto que o Judiciário, o Ministério Público, as Polícias Civil e Militar, todos que lhe opuseram resistência em algum momento, construíram modernização endógena, fruto do esforço de seus membros, sem que a algaravia do governador alterasse o silêncio dos vencedores, apontado em estudos sobre a classe dominante do Paraná, de cuja genealogia o governador faz parte.

O ataque ao Ministério Público produz algumas reflexões: se o governador conhecia excessos salariais e guardou a informação para um momento de conflito com os promotores, agiu para atender a seus próprios interesses e não os de preservação da probidade; se não conhecia e buscou se informar só quando se sentiu acuado pela ação civil pública, agiu mal porque, motivado por vendeta, feriu o princípio da impessoalidade, ponto cardeal da administração pública.

O Ministério Público Estadual deve, do mesmo modo que todos os órgãos do Paraná, dar plena publicidade a sua receita e despesa. Não só mostrar os números, mas torná-los inteligíveis aos leigos em contabilidade pública. Deve fazer isso não como capitulação diante de um capricho do chefe do Executivo, mas como cumprimento do encargo que tem todo mandatário de prestar contas ao mandante. Essa é a relação entre o povo e os funcionários públicos de qualquer hierarquia: mandante e mandatário, outorgante e outorgado, fonte do poder e agente do poder.

O Ministério Público que brotou da redemocratização veio com a face de poder de Estado, sem as peias que o punham na condição de subordinado aos governadores ou ao presidente da República. Essa independência funcional aliada às leis da ação civil pública, da improbidade administrativa e da responsabilidade fiscal, propiciaram aos promotores de Justiça levar à apreciação judicial velhas máculas da política brasileira. Muitas vitórias do interesse público foram colecionadas ao longo de quase duas décadas desse novo MP. Augura-se mais uma vitória na ação intentada contra o nepotismo para que as relações privadas das autoridades não sejam transpostas para o espaço público, onde devem prevalecer os princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência.

Alguns fatos da nossa memória política causaram a sensação de que o Brasil não experimentaria, nem remotamente, o desconforto das ameaças à democracia. O fim do AI-5, a Constituição Federal de 1988, a seqüência de eleições para todos os cargos, com a participação de imenso eleitorado, produziram a saborosa expectativa de que nunca voltaríamos atrás. Essa segurança está, agora, ameaçada pela tentativa de restrição à atuação do MP. É a esse cenário, que evoca o autoritarismo, que não se deve retroceder.

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